sábado, 27 de outubro de 2012

Felipe Munhoz vs Aloprado Alonso - Quais as conseqüências da visão religiosa para o mundo?


Debate entre Felipe Munhoz vs Aloprado Alonso realizado no Reino dos Debates aclamado como melhor tema pelo público em geral.
Convite: Alonso, eu sou um ateu e você um teísta. Mas não é isso o que estamos discutindo. O que se está discutindo é COMO esta forma de ver o mundo se reflete na forma das pessoas se comportarem. E em última análise discutiremos os benefícios e os malefícios desta forma de ver o mundo.
Comprometo-me a analisar todos os seus argumentos com todo respeito possível e ficaria muito contente se a recíproca fosse verdadeira.
Particularmente, não me interessa quem “vence” o debate, mas sim quem consegue lidar com as viscissitudes das interações pessoais de forma digna e honesta. E se possível, aprender alguma coisa com isto.
Pode ter certeza que terá um debate muito diferente do que está acostumado com Big John, Mazza e Cia.
Não sei se é o estilo que aprecia, mas de qualquer forma, será uma forma de mostrar como é que Alonso se comporta em outro tipo de palco, o da vida real.
Por que eu sei que por trás da barba postiça e dos óculos escuros à la Raul Seixas, tem um cara que quer muito ter uma visão honesta da realidade”.

Introdução de Aloprado Alonso

Ok Felipe, agradeço o debate sério proposto e iremos nesse campo da seriedade até o fim do certame.
“Quais conseqüências da visão religiosa para o mundo?”
Visão religiosa e mundo. Vamos trocar a palavra mundo por sociedade, que acho algo mais concreto para balizar nossas colocações.
Todos sabem que há nesse conteúdo de religião e sociedade uma vasta carga cultural e dialética histórica que servem de referenciais seja para validar a religião ou desvalidá-la dentro da sociedade. As formas de validá-la como relação social e humana são amplamente conhecidas.
Assim, vamos tocar naquelas que visam tirar a validade do fenômeno religioso da vida social. Para isso creia que seja necessário um linear político, pois o homem é um ser político e social segundo definição aristotélica, ao passo que também é um ser transcendente e espiritual conforme as definições religiosas correntes.
Creio que estejamos aqui naquele velho embate sobre imanência e transcendência, o qual tanto a filosofia metafísica e outros ramos do conhecimento humano se debruçam em busca de respostas e conclusões finais.
Para pontuar essa dualidade de forma clara quero expor aqui a visão de Leonardo Boff em seu livro “Tempo de Transcendência” – o qual menciona que o ser humano é um nó de relações, é um ser aberto a todas as formas de relações e que pode ir em todas direções daquilo que permeia a sua realidade.
Muitas vezes essa realidade vai ser mais religiosa ou mais política, mas sem dúvida há uma espécie de tensão ou até fusão entre essas duas aberturas. Isso sem dúvida irá depender da concretude racional da pessoa e de como ela entende a si mesmo situada nisso que chamamos de mundo ou sociedade, de como ela enxerga o mundo e aqui se insere o termo visão ora proposto.
A grande questão que se abre assim quais são as consequências disso para a sociedade e para a pessoa como parcela dessa sociedade?
Podemos isolar o individuo da sociedade no campo religioso, pois mesmo isolado do meio social ele seria capaz de exercer sua espiritualidade duma forma ou outra, mas são muitas vezes as repercussões políticas que sua crença espiritual transfere ao campo político e social que pode fazer este indivíduo ser isolado por outros meios, por outras situações que tornam a visão religiosa sobre si mesmo e o seu plano de existência social um dilema ou um problema grave.
Temos dois exemplos claros disso na história da sociedade. O mais clássico é o da invasão muçulmana na Europa cristã e as Cruzadas. O outro é do cerceamento do comunismo da era Stalin aos cristãos, que por uma “incompatibilidade” entre visão religiosa e a ideologia política geraram fatos agravantes e confrontos técnicos entre as lideranças desses personagens.
Essa disputa seja numa situação histórica ou outra resultou uma consequência nas relações da sociedade, e isso parte de uma visão tanto religiosa quanto do status político da época. Assim, é uma situação de mão dupla por assim dizer.
Temos então já então bases históricas e fatos sobre as consequências da visão religiosa na realidade humana em contrapartida a um elemento antagonista que também permeia a própria vida humana (política) que se dá no meio social.
Entretanto, qual dessas duas visões prevaleceria em um juízo de valores? Isto é, temos um antecedente e um consequente dessa visão, mas qual ordem deve prevalecer a imanente ou a transcendente?
Dentro desse esquema dialético espero que Felipe forneça seu conceito geral dessa visão e conseqüência da religião na sociedade, e depois não uma resposta acabada, mas sim os valores de sua posição não religiosa sobre esse tema, analisando a imanência e transcendência a partir de suas próprias concepções.

Introdução Felipe: Quais conseqüências da visão religiosa?

Em outras palavras, quais as conseqüências daquilo que se acredita?
Todas. Em última instância, o senso de realidade de um ser humano é formado com base naquilo que ele acredita. As pessoas podem acreditar em coisas que podem ter efeito benéfico nas relações sociais, assim como podem acreditar nas besteiras mais absurdas e até em coisas que podem destruir as sociedades, da forma como as conhecemos.
Mas então, o qual é o mérito em simplesmente “acreditar” em alguma coisa?
Nenhum. Crianças acreditam em papai Noel, tem gente que acredita em saci-pererê, tem quem jura que foi abduzido por extra-terrestres. Acreditar, por acreditar, não é mérito algum. Aliás, não é muito difícil fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade. E fazê-las fazer as coisas mais horríveis por causa disto.
Entretanto, todo mundo sabe que é imprescindível que se acredite em algo, seja lá o que for. Isto é mais do que senso comum, é lógica pura. Para não se acreditar em nada é necessário acreditar em sua própria descrença. rsss
Mas a questão é: Quando não se tem resposta alguma, uma resposta ruim é melhor do que resposta nenhuma. Baseado nesta máxima, o ser humano começou o seu processo de investigação da natureza e a primeira forma de tentar explicar os fenômenos da natureza foi através do raciocínio mítico.
E segundo esta forma de analisar a natureza, a realidade pode ter as formas mais estranhas possíveis, na mente das pessoas que acreditam. Quando se analisa o fenômeno religioso, é importante que se analise as diferentes manifestações do mesmo, que vão muito além da missa de domingo.
Por isto, esta questão toda, sempre terá duas formas de ser analisada. A ótica de quem acredita, que é auto-referente. E a ótica de quem não acredita. Mas mesmo entre os religiosos, não existe consenso.
Para que o senso de realidade de um seja verdadeiro, o senso de realidade do outro tem que ser falso, mesmo que ambas as formas de interpretar a realidade sejam embasadas justamente nas mesmas premissas.
Por isto, todo debate sobre religião sempre chega a um ponto sem saída para quem defende as religiões. Se a forma de interpretar o mundo da (minha) religião é correto, logo todas as outras religiões que dizem coisas diferentes estão erradas. Para que a crença seja efetiva, ela deve ser exclusiva. Alguém que acredita no Deus cristão, mas que presta culto a Shiva, com certeza será censurado pelos outros cristãos.
Entretanto, quem acredita no Deus cristão, o faz pelos mesmos motivos daqueles que acreditam em Shiva: Por que foram educados para isto, afinal de contas, ninguém nasce acreditando em Deus, seja ele Shiva, seja ele Jeová .
Mas o que pode fazer uma pessoa ter a pretensão de achar que seu senso de realidade é mais preciso que o de outro, que usa as mesmas “técnicas”? Simples. A defesa de seu projeto de imortalidade.
Quando se defende sua religião, o que está em jogo não é somente sua forma de ver o mundo ou de se comportar. É o sentido de sua existência. E o seu PROJETO DE IMORTALIDADE. Por isto, é que este tipo de debate é sempre tão caloroso. É difícil para as pessoas serem totalmente racionais com uma questão que meche com instintos tão primitivos quanto o da própria sobrevivência. Acreditar em vida eterna é a melhor forma de encontrar conforto, quando a alternativa é que sua consciência simplesmente deixará de existir.
- Cartilhas básicas de como se viver a vida: O método didático é bem simples. Cumpra a regra de ouro (não faça para o próximo o que não gostaria que fizessem para você) e receberá reforço positivo (salvação). Não faça e receberá reforço negativo (danação).
E claro que o reforço negativo acaba sempre falando mais alto e o medo normalmente impede as pessoas de fazerem algo muito horrível, sob pena da destruição total e absoluta de sua suposta imortalidade.
– O maior prêmio possível . Sua própria existência. Segundo a própria religião, ela mesma é o caminho da imortalidade.
E para isto tudo, você só tem que abdicar de uma coisa: Suas competências questionadoras, pois para experimentar o senso de realidade, tal como é sugerido pela experiência religiosa, é necessário, em determinado instante, deixar de fazer perguntas e aceitar as coisas exatamente do jeito que te disseram que elas são.
Se o termo “espiritualidade” está relacionado a tudo aquilo que não é ligado à matéria, mas ao significado de toda a existência, que pode ser “experimentado” pela consciência humana, então a discussão é muito mais ampla.
E não é só a religião que traz respostas para estas questões metafísicas. E também não é o “único alicerce de moralidade” que existe, muito pelo contrário. A religião pode inspirar muitas atitudes que contemplem a regra de ouro, anteriormente citada, mas também pode inspirar várias atitudes que são totalmente contrárias a esta regra.
No fim das contas, o grande problema, a meu ver, é que é muito difícil para o religioso enxergar esta diferença quando está violando a regra de ouro e não percebe, por acreditar estar defendendo “um bem maior”. E isto pode acontecer em qualquer religião.
Por isto, sob minha ótica, alguém que aceita enxergar o mundo desta maneira, simplesmente desistiu de continuar fazendo perguntas. E isto é péssimo para o mundo.
Réplica Aloprado Alonso
Com base nas colocações do Felipe há de verificar causas abstratas e suas conseqüências concretas dentro e fora do fenômeno religioso no ser humano em si mesmo e seu meio. Nessa toada usar o parâmetro moral (abstrato) diante de fatos concretos (situações reais) seria um bom campo exemplificativo.
São Tomás de Aquino dizia o seguinte: “Toda e qualquer regra moral é genérica e universal, e toda situação humana é concreta e particular”. Nós sabemos que a transição entre uma coisa e outra não é fácil, pois implica numa categorização e a classificação daquele ato e daquela situação em particular dentro do sistema geral dos valores e normas morais dentro da realidade humana.
Ante a isso, o trajeto que se percorre desde uma situação concreta e particular até uma regra geral é gigantesco, complicadíssimo e cheio de percalços, e as possibilidades de erros são enormes.
Com base nisso cabe questionar: Quais os fatores que levam a pessoa a viver nesse dilema sem uma definição correta de como entender e agir na realidade concreta? E é isso que se ligará com a premissa do Felipe da “regra de ouro”.
Sabemos que o homem construiu na sua história humana para si um mundo de valores que regem suas condutas, como regras de moral, convenções sociais etc. Duas dessas construções nos interessam aqui: a moral judaico-cristã e o niilismo.
Na visão judaico-cristã o mundo se fundamenta por uma série de fatos que se ligam as práticas das virtudes humanas mais nobres e também a presença de um “religamento” com algo maior que si mesmo que transcende a sua própria existência.
Pois bem, uma dessas operações está no plano presente e constante do indivíduo dentro da sua própria realidade concreta, e a outra parte dessa mesma realidade concreta para algo ainda que não foi concretizado, mas que pela fé o sujeito se relaciona com aquilo como algo possível e predefinido para sua existência.
Com base nas colocações do Felipe há de verificar causas abstratas e suas conseqüências concretas dentro e fora do fenômeno religioso no ser humano em si mesmo e seu meio. Nessa toada usar o parâmetro moral (abstrato) diante de fatos concretos (situações reais) seria um bom campo exemplificativo.
São Tomás de Aquino dizia o seguinte: “Toda e qualquer regra moral é genérica e universal, e toda situação humana é concreta e particular”. Nós sabemos que a transição entre uma coisa e outra não é fácil, pois implica numa categorização e a classificação daquele ato e daquela situação em particular dentro do sistema geral dos valores e normas morais dentro da realidade humana.
Ante a isso, o trajeto que se percorre desde uma situação concreta e particular até uma regra geral é gigantesco, complicadíssimo e cheio de percalços, e as possibilidades de erros são enormes.
Com base nisso cabe questionar: Quais os fatores que levam a pessoa a viver nesse dilema sem uma definição correta de como entender e agir na realidade concreta? E é isso que se ligará com a premissa do Felipe da “regra de ouro”.
Sabemos que o homem construiu na sua história humana para si um mundo de valores que regem suas condutas, como regras de moral, convenções sociais etc. Duas dessas construções nos interessam aqui: a moral judaico-cristã e o niilismo.
Na visão judaico-cristã o mundo se fundamenta por uma série de fatos que se ligam as práticas das virtudes humanas mais nobres e também a presença de um “religamento” com algo maior que si mesmo que transcende a sua própria existência.
Pois bem, uma dessas operações está no plano presente e constante do indivíduo dentro da sua própria realidade concreta, e a outra parte dessa mesma realidade concreta para algo ainda que não foi concretizado, mas que pela fé o sujeito se relaciona com aquilo como algo possível e predefinido para sua existência.
Por conseqüência disso, o individuo busca em outro fenômeno, o racional, algo que justifique a realidade e as ações humanas gerando assim uma amputação sistemática de uma parte da natureza humana no seu todo que é a capacidade espiritual transcendente em troca de uma imanente antropocêntrica, a qual não se ajusta efetivamente e eficazmente com a realidade humana, devido a excluir outras de ordem necessária ao completo desenvolvimento humano.
Réplica Felipe
Vejo que estamos discutindo a natureza humana e suas manifestações em interações sociais. Por um lado Alonso está apresentando como a religião é importante na estipulação das relações sociais humanas.
Por outro, eu tentei mostrar que, assim como todas as formas de se analisar a realidade que o ser humano dispõe, o método religioso está sujeito a contradições lógicas. Concordo com o Alonso que as respostas atingidas pelo método religioso podem ser “concretas” ou “lógicas” justamente por serem definitivas.
Entretanto, eu acredito que é justamente por isto que a religião pode ser tão maléfica. Não nego a importância que a religião teve no desenvolvimento das sociedades (tanto os aspectos positivos quanto negativos).
Mas a avaliação do fenômeno religioso na história humanidade tem resultados bem diferentes quando consideramos a época em questão. A importância que a religião já teve para as pessoas no passado, é definitivamente diferente da importância que ela possui hoje em dia, quando se dispõe de métodos muito mais seguros para se analisar a realidade. Quais os fatores que levam a pessoa a viver nesse dilema sem uma definição correta de como entender e agir na realidade concreta? 
Como eu havia dito, formamos nosso senso de realidade de acordo com aquilo que aprendemos. Entretanto, somos instruídos por seres humanos tão falíveis quanto nós . Por isto, neste processo, acabamos aprendendo coisas que podem representar verdades sobre o universo, além de inúmeras outras que são mentiras. Além disto estas mentiras podem estar maquiadas em verdades pelo senso comum.
Quando todos acreditam na mesma mentira, a tarefa questionadora é muito mais árdua, pois é necessário se posicionar de forma contrária ao que todas as outras pessoas pensam, a fim de sustentar uma forma honesta de se analisar a realidade.
E qualquer um que tenha um mínimo de espírito questionador já vivenciou situações onde percebeu que a maioria das pessoas estava enxergando um problema de forma errada.
Para não se estender nos exemplos, observamos um dentro da própria doutrina cristã: Jesus Cristo teria sido morto pelos seus contemporâneos que não concordavam com suas premissas. Depois disto, teve a maior parte de seus ensinamentos mal interpretados por seus seguidores, mas é importante notar as semelhanças da história deste mártir com a história de outro mártir, mas este no campo da Filosofia: Sócrates.
Sócrates já reclamava que, em sua época, as pessoas davam mais valor para coisas materiais do que para a própria consciência. Isto era verdade naquela época e continua sendo verdade hoje em dia. Sócrates dizia também que alguém está em paz com a sua consciência quando sabe que sua concepção de realidade é fruto de um processo investigativo honesto e racional.
Este filósofo foi muito influente, servindo de inspiração para a criação de correntes filosóficas como o estoicismo, o ceticismo, o empirismo, o racionalismo, o cinismo e várias outras, que discutiam questões fundamentais como a pergunta: “Qual a melhor forma de vivermos nossas vidas?”, utilizando a razão e a honestidade intelectual como formas de se conhecer a realidade que vivemos.
Existem várias semelhanças nas histórias de Sócrates e de Jesus Cristo. Ambos foram assassinados injustamente pelas pessoas que representavam a “lei” nos locais onde viveram. Foram mortos por que inspiravam em outras pessoas a ter atitudes que eram contrárias ao que acreditavam a maioria das pessoas de sua época.
Eu me pergunto se, a fé religiosa, tal como existe hoje, é capaz de inspirar nas pessoas atitudes que são contrárias ao que pensa a maioria das pessoas, mas que é justo e verdadeiro por um motivo “transcendental”. 
Uma coisa que prejudica a análise imparcial dos fatos é a própria existência do termo ateísmo, para caracterizar aquele que não acredita em Deus. Quando se admite esta definição, admite-se a necessidade da existência de uma palavra para descrever o fato de NÃO SE ACREDITAR em algo.
E não existem palavras para se descrever a descrença em mais nada, a não ser isto. Afinal de contas, ninguém se diz “Apapainoelzista” por que não acredita em papai Noel. 
Eu não nego que os princípios que regem o aparecimento de princípios religiosos sejam manifestações inerentes à própria natureza humana. Entretanto, como eu já disse, este tipo de manifestação é algo que é extremamente variável entre os grupos humanos.
Por isto, é muito bom que fique claro como é que estas manifestações de “espiritualidade” são avaliadas em outros contextos religiosos. Como não existe consenso entre as religiões, o que para uma denominação pode ser considerado “transcendente”, para outra pode ser considerado pagão e blasfemo.
“o ser humano é um nó de relações, é um ser aberto a todas as formas de relações e que pode ir em todas direções daquilo que permeia a sua realidade.” E é exatamente por isto que o ser humano tem enormes propensões a ser enganado. Aliás, é muito mais fácil fazer interpretações errôneas sobre a existência do que verídicas quando os critérios utilizados para sustentar o senso de credulidade de cada pessoa é sujeito às necessidades da mesma em se acreditar em algo que possa ser útil para trazer conforto para mentes atormentadas.
Várias partes da “natureza humana” deveriam ser amputadas se o que se objetiva é o cumprimento da regra de ouro. Desta forma, o desenvolvimento da cultura tem cada vez mais “amputado” as partes que podem ser prejudiciais para a interação dos indivíduos em sociedade. E com isto, boa parte do “lado negro” das religiões tem sido amputado junto. E é por isto que percebemos que, por mais dogmáticas que sejam, as religiões têm se adaptado a este novo cenário. É claro que o processo é lento e gradual, como todas as transformações sociais às quais os seres humanos são submetidos.

Tréplica Aloprado Alonso

O Felipe em sua réplica tomou certas premissas fora da estrutura básica da realidade, e as levou ao extremo de fatos e elementos tão antagônicos entre si na essência. Isso lhe deu apenas as conclusões das aparências como se fossem a realidade total, quando na verdade são não virtuais. Isto é, são conclusões sem virtualidade, ou “virtus” que significa potência. Logo, toda sua visão holística do tema em pauta se tornou mais um arquétipo idealista do mundo com base na visão racionalista da ciência e filosofia moderna.
Uma das coisas mais claras a qual resta evidenciar aqui é o apego dele à filosofia e ciência moderna como elemento auto-explicativo da realidade humana. Entretanto, idéias filosóficas não conservam a sua unidade acerca das causas e efeitos da realidade ao decorrer do tempo, pois elas não são contínuas e nem mesmo apresentam nexo com a experiência da realidade a partir de certas doutrinas filosóficas mais recentes ou modernas.
São apenas especulações no campo das idéias que nada correspondem ao terreno da experiência real. Com base nisso, nos parece, que é nesse campo que ele toma todas suas posições e decisões sobre a realidade como um todo, deixando de lado outras aberturas, das quais inclui a confluência “fides et ratio”, na qual ele lança a fides fora e fica apenas com a ratio. Por essas razões a visão dele se torna amplamente racional e um tanto simplista da realidade ao mesmo tempo, sem levar em conta todas suas complexidades.
Embora todos os processos de racionalização das culturas sejam o de sofisticar a própria cultura, sempre haverá um desencantamento e uma busca por um algum mistério, por algo além do racional. Isso é natural ao ser humano. Por outro lado, todo esse mesmo processo de racionalização é um aperfeiçoamento que impede a soma do patrimônio intelectual e espiritual da humanidade de outras épocas. Além disso, impede o avanço do conhecimento, tornando o conhecimento redutivo a alguns temas ou a um só tema para sua melhor aceitação racional pelos indivíduos.
Atualmente essa redução cultural e de conhecimento se liga ao laicismo estatal, a tecnologia e a ciência como verdade suprema sobre outras fontes de cognição humana.
Se lançarmos nossa visão sobre a trajetória percorrida pelo espírito humano, com base nos conhecimentos históricos que dispomos hoje, diagnosticaremos que existem nos vários períodos do desenvolvimento espiritual formas diferentes de relacionamento com a realidade. Dentre eles se destaca a filosofia socrática. Ainda como exemplo, temos os conhecimentos gnósticos, a metafísica, e inclusive a atual ciência. Cada uma dessas orientações humanas verifica a fé à sua maneira, mas também atrapalha a sua visão à sua maneira. Assim, nenhuma delas coincide com a fé e nenhuma conserva ou fica plenamente neutra sobre a fé. Sendo assim, essas visões podem tanto servir a própria fé como obscurecê-la.
Para a nossa atitude intelectual e moral determinada pela ciência atual, a qual delimita a existência de todos nós e define os nossos lugares dentro da realidade, ou mundo real, ou sociedade, esta é caracterizada pela limitação dos fenômenos. Isto é, tudo aquilo que há de real no mundo deve ser submetido ao controle da razão ou entendimento apenas pela razão, e previsto pela razão, e não por qualquer outro fenômeno, dentre os quais se enquadra e exclui o religioso.
Diante disso, desistimos de buscar o lado em si das coisas, aquilo que não aparece, ou aquilo que está fora da delimitação científica das aparências. Com foco nisso, nos tornamos incapazes de verificar a essência do próprio ser. Além disso, não vemos mais motivos e sentido algum para realizar essa tentativa, pois a ciência parece tornar a profundeza do ser algo inatingível por si mesma e por qualquer outra forma de conhecimento por mais que avance em tecnologia e saber científico.
Nesse grau de visão não vemos mais consequências senão as lógicas dadas pela própria cultura fundada na ciência, e portanto só levamos em consideração o visível no sentido mais amplo do termo, pois só conseguimos compreender profundamente aquilo que temos condições de medir pelas medidas dadas pela ciência e cultura atual. Por isso, a ciência influi na cultura da razão sobre todas as coisas, pois a metodologia da ciência se baseia nessa limitação dos fenômenos.
Em contraponto a isso, hoje há uma necessidade de pensar não cientificamente, e isso consiste em refletir sobre o irrefletido, para levar a nossa consciência diante da realidade humana mais complexa e dar um significado real e verdadeiro para essa mesma realidade.
Não poderá ser atribuída essa tarefa nem mesmo a filosofia moderna a qual já rompeu com os elementos de análise da realidade das correntes filosóficas anteriores ao racionalismo puro e intrínseco em si mesmo. Devemos assim buscar a razão mais uma vez, mas a razão aliada à nossa vocação humana e divina, ao nosso teor existencial mais profundo e enraizado em diversos pontos na confluência da “fides et ratio”.
Essa necessidade nos fará colocar linhas de significado na realidade, e além disso dar um salto no nosso ser, seja para o nosso interior como para tudo aquilo que também é exterior e abstrato e concreto à nós mesmos, e assim teremos certezas que não somos seres limitados pelas razões de ordem meramente científica ou filosófica, mas sim muito mais do que isso.
São essas certezas que faltam atualmente para uma visão mais repleta de sentido e essência no mundo que nos situamos como seres reais e não apenas fruto da nossa própria concepção apenas racionalizada.

Tréplica Felipe

Eu acredito que um raciocínio simples, que pode ser assimilado por qualquer um vale mais que mil citações bibliográficas de outros autores. Por isto, acredito que, se existe uma boa resposta para esta questão, ela independe de quanta gente importante concorda comigo.
Além disso, eu acredito que se alguém quer uma resposta realmente honesta para esta questão, seria bom que, pelo menos,verifique todas as possibilidades acerca da questão. Por isto acho muito importante que exista um diálogo honesto como este que está acontecendo agora. Pautado de duas visões distintas, de pessoas que leram coisas diferentes em dias diferentes em cidades diferentes. Mas que põe à prova sua honestidade intelectual para tomar as decisões da vida, como todas as outras pessoas que estão lendo este tópico.
Portanto, não importa qual é o recheio teórico, mas sim quais as conclusões básicas que podem ser estabelecidas a partir das idéias sugeridas por cada debatedor. E também não importa se eu sou ateu e o Alonso é religioso. Se houver uma resposta para esta pergunta, ela independe disto.
Neste sentido, o verdadeiro argumento do Alonso é o de que “a verdade só pode ser experimentada através da fé religiosa e quem cogita a possibilidade de não ser assim está iludido por um falso senso de verdade, mascarado pela razão”.
Desta forma, qualquer que seja a análise que eu fizer, ela está errada, pois deixo de incluir a fé como um pressuposto básico para a experimentação da realidade. Por isto a religião é tão importante e vital para a sociedade, pois mostra como normas concretas de moral podem levar a um estado absoluto de significado existencial.
Segundo Alonso o meu discurso foi obscurecido por uma visão idealista de um racionalismo científico. Mas se vocês relerem os posts anteriores, perceberão que, quem está, desde o início do debate, tentando nortear referenciais teóricos para sustentar seus argumentos é ele e não eu.

Filosofia da Ciência

O Mazza até disse em outro tópico que minhas observações estavam por demais embasadas em meu “senso pessoal” e “careciam de bases sólidas” ou de imposição “autoridade intelectual”. Se isto aconteceu, caro Mazza, respondo-te que é por que acredito que “autoridade intelectual” nenhuma melhora a qualidade dos argumentos, quando eles são baseados em fatos que todos podem observar.
Segundo a argumentação do Alonso, a religião é parte importante da sociedade e fruto da natureza humana. Em contrapartida, minha seqüência de raciocínio estaria obscurecida por uma ilusão racionalista que não corresponde à análise factual da natureza. Eu já afirmo que não importa a bandeira que eu ou você estejamos levantando. Escolas filosóficas são formadas por idéias que pessoas tiveram sobre as coisas. Isso jamais pode, por si só, representar a realidade. A realidade está além da experiência humana, que é contaminada pelos limites dos sentidos.
A falseabilidade é um princípio fundamental do método científico. Admitir, antes de tudo, que está errado, e que por melhor que seja o seu modelo ele não é definitivo é a base de tudo aquilo que é científico . Logo, admitir a certeza em algo, seja o que for, é contra tudo aquilo que é científico. O máximo que podemos ter é uma substituição de erros grosseiros por erros um pouco menos grosseiros. Neste sentido, não faz sentido dizer que a visão é obscurecida por algum idealismo, por que não é verdade. Nenhuma análise da natureza é tão iconoclasta em potencial quanto a científica.
O pressuposto básico da fé religiosa é ter certeza de que seu modelo de divindade é verdadeiro e isso é totalmente contrário à forma de ver o mundo, proposta pela ciência. Ciência não é só um agrupamento de técnicas necessárias para se produzir tecnologia. Nem um corpo de conhecimentos. Ciência é uma forma de ver o mundo que é contraditória a toda outra forma de analisar a realidade que admita para si uma certeza universal.

Antes de suas considerações finais.

Os seres humanos se dedicam à tentar responder estas questões fundamentais que estamos discutindo aqui desde o nascimento da cultura. Uma análise do desenvolvimento histórico nos mostra que este processo é gradativo. Ao longo das gerações, uma pessoa se embasa nas reflexões de seus antecessores, de forma a aprofundar ainda mais esta idéia. Ao observamos todo este legado que nos foi deixado, podemos reformar o conhecimento, baseados em novas análises, que são constantemente realizadas.
O homem sabe hoje a respeito da natureza e a respeito de moralidade, é bem diferente do que sabia a mais de 2000 anos atrás, quando os textos religiosos foram escritos. Quando norteamos nosso senso de credulidade naquilo que realmente é mostrado pela observação honesta da natureza, devemos desconfiar de informações cuja validade é comprovada apenas pelo que disseram outras pessoas . Mais duvidoso ainda é o método de revelação, que diz que alguma pessoa pode ter alguma conexão mística inexplicável com alguma coisa incompreendida e desta forma, devemos considerar como real o argumento que ela sustenta.
Desta forma, o reducionismo pode ser uma medida muito inteligente, quando formas ingênuas de analisar a natureza são suprimidas. Mas mesmo neste “reducionismo racionalista meramente naturalista”, pode haver alguma honestidade intelectual se o investigador, antes de tudo, admite a possibilidade de que seu argumento pode estar errado. Desta forma, é anti-científico acreditar que a ciência serve como verdade suprema para a análise da condição humana. A ciência é, no máximo, o melhor detector de mentiras que possuímos. 
Para mim, a grande questão que pode ser conflitante não é ter ou não ter fé. Para mim, a grande questão é ter fé EM QUÊ? E mais importante: PARA QUÊ? Se existe uma coisa que o homem sempre teve, além do medo do desconhecido, é a enorme capacidade de mentir (que aumenta proporcionalmente à sua imaginação). Ser desconfiado, é ser prudente.

Considerações Finais

A visão da religião para o mundo sempre passou pelos próprios canais das instituições religiosas, e muitas vezes por um necessidade tanto humana quanto social como verificamos a partir da antiguidade.
Quem inaugura a filosofia cristã na história é Santo Agostinho. Se não houvesse a filosofia cristã na história, o que restaria na história é a filosofia não cristã, gnosticismo e agora a ciência, sendo esses últimos os quais irão originar todas essas ideologias de massa visando o desvirtuamento do cristianismo religioso na história.
A Igreja não tem uma filosofia que coloca a ciência como algo explicativo da história e da origem humana. Entretanto, alguns discursos da doutrina tem como bases filosofias adaptadas da filosofia grega clássica que resta intacta quanto a ferramentas que analisam a realidade de forma fecunda pela razão.
Estes elementos são fatores de contraste de como a Igreja utiliza a racionalização da realidade não para criar visões distorcidas da realidade, mas sim para poder transmitir ensinamentos superiores de ordem moral, ética, transcendental, de justiça e outros de forma mais inteligível possível aos indivíduos.
Todo o sentido do cristianismo, desde o início, mostra para o mundo a incerteza constitutiva da vida humana. E por que há incerteza? Porque as pessoas não nascem sabendo das coisas, tem de aprendê-las aos poucos e por outro lado as pessoas se esquecem também. Assim, o ser humano racional nunca tem domínio do horizonte inteiro. E essa é a estrutura da nossa vida, é a estrutura temporal da nossa existência. Só podemos ver as coisas com começo, meio e fim desde a eternidade. Isso é a coisa mais óbvia do
mundo: para conhecer o curso inteiro dos tempos, você tem de estar acima dos tempos, na eternidade.
Diante da perspectiva temporal, não podemos saber o curso inteiro dos tempos e das coisas em si mesmas de formas aprofundadas, porque estar na perspectiva temporal é não estar na eternidade, é estar separado da eternidade.
Se não estamos separados totalmente da eternidade é porque ela nos espera mais adiante. Nesse enforque as especulações e certezas científicas invertem a posição existencial do homem.
Na ciência tudo está consumado até o próximo avanço com base em novos dados ainda desconhecidos, no fim das contas, toda a forma do pensamento científico depende do tempo. Todavia o tempo não é um objeto manipulável, nem mesmo o curso da história, nem mesmo a veracidade da realidade humana.
Quando a ciência busca dar sentidos dentro ou além de suas próprias limitações a esses aspectos ocorre a inversão da realidade em prol de uma verdade científica provisória, e esta inversão da ordem da realidade chega a tomar uma criatura temporal que é o ser humano e fazê-la fingir que está na eternidade observando o conjunto. A razão é muito simples, esses elementos não são objetos mutáveis pela ciência.
Richard Dawkins em sua literatura inventa um objeto chamado Deus que criou outro objeto chamado universo e, observando esses dois objetos, ele conclui: “Não pode ter sido assim”.
Assim nem mesmo podemos conceber a história como objeto, porque a história é o campo dentro do qual a pessoa humana existe. Só se pode compreender a história como um processo que está prosseguindo dentro de nós e cujo fim nós desconhecemos. Isto é a história: a pessoa a vivencia e revivência a história do passado que se repete na existência humana atual (nascer, viver,morrer) sem saber o futuro.
Conceber o universo como um todo é ter todo o conhecimento possível, todo de uma só vez e num mesmo instante, e isso se chama eternidade. Então, assim poderíamos dizer que Dawkins foi para a eternidade, observou o mundo, observou Deus e concluiu alguma coisa. Entretanto, isso é tão pueril que não merece sequer crédito como ciência, mas muitos encaram isso como científico.
Portanto, isso não é nem científico e nem filosófico, é uma forma requintada de ideologia, e ideologia no sentido de ocultação da realidade.
O universo só pode ser concebido como participação, nunca como coisa ou como objeto.
Quando Santo Agostinho diz: “É no interior do homem que existe a verdade” o que ele que dizer é que a pessoa só conhece Deus como a força agente que está criando e iluminando-o neste mesmo momento no curso da história e da realidade. A pessoa conhece Deus pelo o que Ele está fazendo nela. Com base nisso, a pessoa pode ter um vislumbre do que Ele está fazendo mais externamente, mas nunca vai conhecê-lo como objeto.
Com essas idéias em linhas gerais termino aqui minha participação nesse debate. Agradeço a apreciação e compreensão de todos sobre ambas as exposições; e ao Felipe que se mostra um debatedor com recursos retóricos muito bons e com clareza em suas idéias mesmo sendo opostas em sua grande parte as minhas concepções.
Até a próxima!

Considerações Finais

Eu não sei qual será o destino deste post, mas em respeito a quem leu até agora e também a ele, vejo-me na obrigação de dar minhas últimas palavras neste debate. E como não podia deixar de ser, não posso deixar de ignorar o atual momento que estamos vivendo na Liga e tecer considerações que podem ser importantes, inclusive para reflexões sobre algumas das nossas atitudes enquanto organizadores. Estamos tentando criar um ambiente que seja feito justamente para que as idéias se choquem, permanecendo as pessoas. Uma das provas de fogo para este tipo de debate foi o presente tópico.
O Alonso possui fama de argumentador agressivo e o tema em questão pode interferir enormemente no estado emocional da pessoa. Entretanto, não foi o que se viu. Apesar de discordar veementemente da minha forma de ver o mundo, Alonso foi educado do começo ao fim e em nenhum momento fez ataques pessoais. Não sei se este debate será avaliado pela liga, mas eu gostaria muito de saber se este modelo de debate é de apreciação dos outros membros, pois não segue algumas fórmulas clássicas que têm sido utilizadas em uma série de outros “debates” do Orkut hoje em dia. Estas discussões podem ser importantes para servir de norte para nossas próximas atitudes.
Quanto ao tema, vou deixar apenas algumas reflexões finais. Vejam que este assunto está diretamente relacionado com o que foi discutido nos outros dois debates que já terminaram, de uma forma ou de outra. A intenção de cada debatedor é mostrar que seu senso de realidade é fruto de um processo honesto de reflexão.

Ideologia.

Para isto, seus fundamentos não podem estar fundamentados em ideologias, que como o Alonso diz, um idealista é … aquela pessoa que passa a refugiar-se no seu mundo ideal em busca de alterar o mundo concreto e real pelas suas visões pré-concebidas individualmente seja por fusões ou criações de valores e correntes filosóficas. . Para o Alonso, quem usa a ciência como forma de ver o mundo, está sendo idealista. Só que o Alonso não explicou por que é que um religioso não pode estar fazendo exatamente a mesma coisa, exatamente pela mesma ótica dele, considerando que ele pode estar errado quanto a suas escolhas.
Estes elementos são fatores de contraste de como a Igreja utiliza a racionalização da realidade não para criar visões distorcidas da realidade, mas sim para poder transmitir ensinamentos superiores de ordem moral, ética, transcendental, de justiça e outros de forma mais inteligível possível aos indivíduos. .
Ou seja, ideologia. Se o conhecimento é definitivo, logo, ele não permite análise crítica. Além disso, baseado em quê, a Igreja pode afirmar que sua racionalização da realidade é mais segura que qualquer outra racionalização, se, pelas próprias palavras do Alonso,para conhecer o curso inteiro dos tempos, você tem de estar acima dos tempos, na eternidade. Por acaso algum sacerdote foi para a “eternidade” e voltou para nos contar? Em resumo, desvalidar o método científico como fontes de verdades (o que nunca foi meu argumento) não torna o método religioso um método seguro.
Mas são sábias as palavras do filósofo que disse que “É no interior do homem que existe a verdade” . Não nas palavras de outros homens, ou folhas de papel. No interior do homem existem suas dúvidas e sua idéia de universo, baseada em suas experiências. E isto independe de qualquer agrupamento social, como o próprio Alonso disse.

E se estivermos errados?

Por fim, eu queria propor um exercício, que acho que vale, não apenas para este tópico, mas para nossas vidas. Eu acho que se queremos realmente ser honestos com relação àquilo que acreditamos, é muito importante, que façamos isso, pelo menos uma vez, ao longo de todo o processo.
O exercício é o seguinte: Fechem seus olhos. Parem e imaginem, ao menos por um instante.
“_E se eu estiver errado?”
Depois considerem todas as conseqüências deste seu engano.
Quanto ao tema em questão, eu já fiz isso.
Cheguei à conclusão de que, mesmo que eu esteja errado, se existir alguma deidade que possa me julgar pelos meus atos após minha morte, pelo fato de ter, mesmo que indiretamente, seguido boa parte dos princípios éticos que as religiões defendem, poderia ficar tranqüilo com relação à minha nova colocação.
Eu não vou terminar o debate dizendo que a religião está errada. Vou apenas dizer que se cada religioso REALMENTE tentar fundamentar seu senso de realidade de forma honesta, uma hora ou outra, terá que fazer o mesmo exercício. Caso contrário, esta forma de ver o mundo será extremamente prejudicial para a sociedade.
Os maiores problemas dos seres humanos não ocorrem por causa de suas dúvidas, mas sim por causa de suas CERTEZAS.
Despeço-me e deixo o tópico à disposição para qualquer um que queira tecer qualquer comentário.
Abraços!

Aloprado Alonso vs João Cirilo - Heresias



  1. Saudações ao apologeta católico João Cirilo e demais leitores deste debate.

    Heresia na definição mais comum e corrente remete a idéia de contrariedade de opinião e aderência a uma opção diversa daquela que é tida como correta no campo religioso institucional. O termo grego que funda essa palavra é traduzido como opção e escolha.
    Conforme é de amplo conhecimento a Igreja Católica Apostólica Romana ao longo dos séculos enfrentou diversos grupos com opiniões dissidentes de sua doutrina oficial e aplicaram não apenas esse termo Heresia de forma concreta, bem como, travaram severo combate no campo teológico e filosófico e aplicaram punições duras contra os denominados hereges em especial durante o período da Santa Inquisição levada a cabo pelo Tribunal da Santa Inquisição conhecido atualmente como Congregação para Doutrina da Fé sediada no Vaticano.

    O caráter conservador da Igreja é sem sombra duvida algo necessário para a instituição que diz zelar pela instrução e salvação das pessoas e por ser portadora do ministério e tradição segundo os quais o próprio Cristo investiu a Igreja de tal missão, e não poder, temporal para atingir toda a humanidade.

    Com base nesses dados já desponto aqui o que pode ser uma possível heresia e questiono o meu interlocutor: A Igreja Católica poderia ser considerada uma grande heresia caso confrontássemos os ensinos de Cristo com a forma de proceder e atuação temporal da própria Igreja?

    Na esteira da história sabemos que os concílios eclesiais católicos em sua maioria visam combater aquilo que eles (católicos) consideram como heresia e afastam com inúmeras séries de argumentos teológicos que a Igreja não é uma usurpadora dos ensinamentos de Cristo, mas sim a única expressão real e fidedigna de Cristo com poder para difundir a sua figura de acordo com as sagradas escrituras.
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  2. A primeira grande heresia combatida pela Igreja através de inúmeros concílios foi a do chamado Arianismo que apregoava que: “O arianismo foi uma visão sobre Cristo sustentada pelos seguidores de Arius presbítero de Alexandria nos primeiros tempos da Igreja primitiva, que negava a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus, que os igualasse, fazendo do Cristo pré-existente uma criatura, embora a primeira e mais excelsa de todas, que encarnara em Jesus de Nazaré. Jesus assim seria subordinado a Deus, e não o próprio Deus. Segundo esta tese só existe um Deus e Jesus é seu filho e não o próprio. Ao mesmo tempo afirmava que Deus seria um grande eterno mistério, oculto em si mesmo, e que nenhuma criatura conseguiria revelá-lo, visto que Ele não pode revelar a si mesmo”. Sabidamente hoje em dia existem doutrinas pseudo-cristãs influenciadas por esta tese. Uma delas são os “russelitas” conhecidos como amplamente como Sociedade Torre de Vigia ou Testemunhas de Jeová.

    No século XII no sul da França onde supostamente Maria Madalena teria se exilado grávida de Jesus existiu um movimento chamado de Albiginense ou Cátaros. Os cátaros formaram uma sociedade secreta vastamente conhecida na Idade Média que até hoje existe nessa região sendo visitada por inúmeros autores como Dan Brown para colher dados para seus escritos como Código da Vinci. Segundo o modo de pensar dos cátaros hereges são os Papas e o Vaticano e não aqueles que exercitam sua fé em Cristo por via diversa.

    No século XII diversos monastérios debatiam secretamente acerca de idéias pouco ortodoxas conforme os moldes do Vaticano ou cátedra de Pedro. Para esse grupo secreto a crença era de que toda a criação era obra maléfica e não divina.
    Ao abandonarem formalmente o credo católico aderindo estas novas concepções o movimento acabou sendo chamado também de albigense decorrente do local que se encontravam a maioria de seus adeptos. Segundo os dicionários o termo “cátaro” advém do grego “katharoi” que significaria “os puros”. Todavia, a tradução latina do termo é oriunda da palavra “catus” ou seja: “gato” em latim. 
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  3. Um dado nada comum segundo os artigos histórico que tratam dos cátaros é de que os adeptos do grupo em suas reuniões faziam coisas ignóbeis como beijar o traseiro de gatos e praticar sexo explícito como forma de ascese mística e de adoração. Para estes os sacramentos, dogmas como a Trindade, e moralidade católica como castidade eram todos artigos de fé inúteis e não deveriam ser seguidos a risca.

    Depois de algum tempo a Igreja de Roma patrocinou a chamada “primeira e última cruzada contra cristãos”. O exército papal enviado ao sul da França exterminou os adeptos torturando e queimando todos aqueles que não confessassem seus pecados contra Igreja ou que não aderissem novamente a fé instituída e defendida pelo Vaticano.

    Para a Igreja a Reforma Luterana também é uma forma de heresia, assim como toda a fomentação de obras de cunho protestante passou a ser um efeito dessa heresia após o ganho de terreno dessas concepções nos campos da filosofia e teologia e cultura social. Ao decorrer dos séculos a influência das idéias marxistas também passou a se infiltrar no meio dos fiéis católicos dando origem a chamada Teologia da Libertação que segundo os padres mais conservadores se trata duma heresia profunda que assola a tradição cristã e exegese da bíblia.

    Diante desses dados incontestáveis quero expor as seguintes questões ao meu oponente:

    - A Igreja Católica Apostólica Romana poderia ser uma instituição herege ao contrário do que senso comum pensa?
    - A influência de cultura e ideologias políticas podem ser tratadas como heresia se mixadas com conteúdos religiosos?
    - A denominada “Teologia da Prosperidade” é uma espécie de heresia evangélica?
    - As sociedades secretas podem ser consideradas realmente como propagadores de heresias?

    Passo a palavra para o meu adversário retórico para suas considerações iniciais.
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  4. CONSIDERAÇÕES INCIAIS:

    Saudações, Alonso, bem como aos demais leitores e participantes deste grupo.

    Heresia tem raiz na palavra grega “escolha” ou “opção”. Embora possa ser usada no sentido de deturpação, de cisma, um desgalhar de um conceito original qualquer, é muitíssimo utilizada na Igreja até por força do Tribunal do Santo Ofício que tinha (e tem) por escopo, através da Inquisição, “perquirir”, “especular”, “perguntar” a determinadas pessoas autoproclamadas católicas, se o eram (ou são) realmente.

    É importante frisar esta passagem porque a Inquisição não perquiriu a vida de ninguém que não fosse católico. Julgou, condenou ou absolveu judeus, por exemplo? Não enquanto tais, isto é, enquanto judeus não conversos. A partir de quando abraçaram a fé, à Igreja coube o papel (como até hoje) de apontar se havia ou não, em determinadas condutas, a semente da heresia, a heresia mesma ou até a apostasia (que é a abdicação total) embora a pessoa continuasse a se rotular como cristã.

    Meu interlocutor pergunta se a Igreja tem tal atribuição ou se ela mesma é herege, ao confrontar o que fez em nome da fé com “os ensinos de Cristo”.

    Notem que ele mesmo respondeu a pergunta no parágrafo anterior de suas considerações iniciais quando escreveu: “o caráter conservador da Igreja é sem sombra duvida algo necessário para a instituição que diz zelar pela instrução e salvação das pessoas e por ser portadora do ministério e tradição segundo os quais o próprio Cristo investiu a Igreja de tal missão, e não poder, temporal para atingir toda a humanidade”.

    Eis aí a resposta dada, meu caro Alonso e caros leitores. Sim, a Igreja fora investida desta missão. Primeiro, quando lemos o capítulo 16 de São Mateus, bastante conhecido e comentado, pelo que observarei aqui apenas a passagem onde Cristo deu à Igreja instituída o poder de “ligar e desligar”. Que deu à Igreja por meio de São Pedro, as “chaves do Reino”.

    Em outra passagem Jesus aconselha as pessoas em litígio que antes se reconciliem; se for impossível que se leve a questão à Igreja depois de levá-la a duas ou três testemunhas infrutiferamente. Eis a passagem:

    “Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão. Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que, pela boca de duas ou três testemunhas, toda palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano”. (Mt, 18, 15-17)

    No Capitulo 6 da 1Cor, São Paulo também critica os cristãos que levam suas causas aos tribunais pagãos – e falava de questões ordinárias - e não à Igreja, demonstrando com isso que a Igreja estava acima dos tribunais dos homens. Aliás, ensinamento consentâneo com o que escrevera na mesma Carta:

    “O homem natural não aceita as coias do Espírito de Deus: pois para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar. O homem espiritual, ao contrário, julga todas as coisas, e não é julgado por ninguém. Por que quem conheceu o pensamento do Senhor, e se abalançará a instruí-lo?” (2, 14-16).

    Como se não bastasse isso tudo há uma passagem marcante na 1Tim, que não por acaso é uma das Cartas Pastorais, isto é, dirigidas à Igreja nascente para organizá-la doutrinária e administrativamente: “A Igreja é a coluna e sustentáculo da verdade” (3, 15).

    Não há dúvida alguma que a Igreja cumpria seu papel sem cometer nenhuma heresia, ao contrário do que supõe nosso nobre amigo.
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  5. -.-

    Necessário ressaltar que a vigilância sempre ocorreu na Igreja. Desde os primórdios houve zelo para as importantes questões de fé com o fito de expungir as heresias. Chamando a atenção para a gnose, que conforme Paul Johnson é uma doutrina “parasita” porque se hospeda em qualquer outra para difundir suas crenças, note-se a advertência paulina na já citada Primeira Carta:

    “Devias permanecer em Éfeso para impedir que certas pessoas andassem a ensinar doutrinas extravagantes, e a preocupar-se com fábulas e genealogias. Essas coisas em vez de promoverem a obra de Deus, que se baseia na fé, só servem par ocasionar disputas” (1, 3-4).

    -.-.-.-

    Tem razão, Alonso, ao citar a heresia ariana e também ao falar que os jeovas são os modernos discípulos de Ario. Tais hereges têm uma passagem que lhes é chave de ouro: “Portanto, ninguém ponha sua glória nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo; a vida,a morte, o presente, e o futuro. Tudo é vosso! Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (4, 21-23).

    É muito mais fácil olhar as coisas literalmente, sem interpretação alguma , esquecidos de que a palavra de Deus não é de compreensão fácil e deve ser muito bem explicada e interpretada, como nos adverte São Pedro na Segunda Carta.

    Simples ler o que está escrito sem ir além. Cômodo, porém insensato. Insensato porque os jeovas não explicam o primeiro verso do Evangelho de São João: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Não fazem nenhuma ponte entre o “Eu sou Aquele que é”, em Exodo, 3,15 e “antes que Abraão fosse, eu sou” (Jo, 8, 58). Nem conseguirão explicar também o porquê Jesus mandava batizar “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

    Dificilmente encontrarão explicação razoável para a promessa do Paráclito na Última Ceia e o cumprimento da promessa em Pentecostes (Atos, 2). E menos ainda entenderão Jo 15 e a passagem da “videira e os ramos” e a “permanência”: permanecei em mim que eu permanecerei em vós.

    Mais fácil ler o fácil e entender o fácil do que entender que o próprio Deus ofereceu-se a Si mesmo como um sacrifico vicário e eterno para o perdão dos pecados: se o pecado é uma ofensa a Deus, qual o homem que estaria à altura pagá-lo senão o próprio Deus?

    Mas, não condeno os jeovas, são estruturas difíceis, passagens difíceis que devem ser meditadas à luz da Igreja, não por acaso “coluna e sustentáculo da verdade”.

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    Os cátaros e albigenses eram hereges agnósticos; e também contrários à lei dos homens. A Igreja – cuja Inquisição foi instituída formalmente em 1231 para combatê-los – até que demorou muito a agir, embora o Estado pedisse sua intercessão havia algum tempo. Muito significativo o seguinte episódio:

    “O Papa Alexandre III, em 1.162, escreveu ao Arcebispo de Reims e ao Conde de Flândria, em cujo território os cátaros provocavam desordens: "Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de inocentes... A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza... Não queiras ser justo demais (noli nimium esse iustus)". Informado desta admoestação pontifícia, o Rei Luís VII de França, irmão do referido arcebispo, enviou ao Papa um documento em que o descontentamento e o respeito se traduziam simultaneamente: "Que vossa prudência dê atenção toda particular a essa peste (a heresia) e a suprima antes que possa crescer. Suplico-vos para bem da fé cristã, concedei todos os poderes neste Campo ao Arcebispo (do Reims) ele destruirá os que assim se insurgem contra Deus, sua justa severidade será louvada por todos aqueles que nesta terra são animados de verdadeira piedade. Se procederdes de outro modo, as queixas não se acalmarão facilmente e desencadeareis contra a Igreja Romana as violentas recriminações da opinião pública". (Martene, Amplissima Collectio II 638 s), “apud” blog do padre Henrique.
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  6. Sem me alongar em discursos, observo que antes de a Inquisição ser criada, em 1220 o Imperador Frederico II, do Sacro Império, decretou que quem fosse tachado de herege pela Igreja deveria ser lançado ao fogo. E, se por alguma razão qualquer, tivesse a vida poupada, teria a língua arrancada.

    Portanto, é bom ter em mente que a Inquisição seguiu a reboque das disposições seculares. Depois de um regular processo sem abjuração e sem impenitência, quando a Igreja declarava alguém culpado e o entregava ao braço secular, as penas já haviam sido estabelecidas antes da criação do Tribunal do Santo Ofício.

    Isto é importante considerar, pois as pessoas mal informadas (quando não de má-fé pura) pensam que o maior prazer dos prelados era botar fogo em pessoas mansas e humildes de coração: a verdade é que a Igreja tardou a criar o Tribunal, e ao fazê-lo impôs regras mais humanas aos suspeitos de heresia, o que não ocorria com os tribunais seculares.

    Instando mais uma vez, os cátaros e albigenses de bons tinham muito pouco. E estavam com sua doutrina avessa ao progresso, ao trabalho, com seus motins e perseguição às mulheres grávidas, com suas práticas tendentes ao suicídio, pondo em risco a civilização do sul da Europa, clamando dos poderes públicos providências urgentes.

    Como os hereges tinham a Bíblia como desculpa para suas heresias, o único jeito de solucionar o problema foi colocando a Igreja que – embora tardiamente – começou a analisar os casos postos à sua alçada.

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    A Reforma luterana é uma heresia, mas, verdade seja dita, não começou com Lutero, ele, por assim dizer, estava no local certo e na hora certa. O tema começou a ser vergastado bem antes, no Século XIV, por John Wycliff na Inglaterra. Importante gizar que a Reforma em todas as suas fases e em todos os países pelos quais passou teve por escopo único e exclusivo a questão de dinheiro: os ditos reformadores, (com o Estado açulando por detrás) tinham interesse em transferir os bens da Igreja para os Príncipes.

    As doutrinas de Cristo passaram bem longe dessas Reformas, meu caro amigo Alonso. Sobre as perguntas que o amigo me faz, respondo-as desta maneira:

    a) Não, a ICAR não pode ser uma instituição herege, até porque é a única autorizada a espiolhar as heresias. O que pode acontecer, mas aí tomaríamos a espécie pelo gênero, é que um ou outro papa, padre, monge, enfim, algum religioso seja herege. Mas não a instituição em si mesma. São conceitos absolutamente diferentes;

    b) Sim, indubitavelmente sim. Penso que as ideologias podem conspurcar a verdadeira fé, e um exemplo delas é justmente a Teologia da Libertação, que resvala (para não dizer que adentra, com foice e martelo) para as lutas agrárias, para as posses e as propriedades aqui mesmo, e não foi esta a mensagem deixada por Jesus;

    c) Penso que a “Teologia da Prosperidade” em si mesma não será uma heresia. Penso que todos os homens têm o direito de progredir na vida, de crescerem, de prosperar. O que penso totalmente antibíblico é colocar o dinheiro e a prosperidade acima das coisas Divinas. Como ninguém serve a dois senhores, pois amará um enquanto odiará o outro, penso que quem põe a prosperidade acima das coisas de Deus acaba idolatrando a avareza e o dinheiro que ela produz: neste caso haveria, a meu ver, um descaminho da Palavra;

    d) Sobre as sociedades secretas, eu não sei. Mas, por que as coisas seriam secretas? Qual o escopo, a finalidade, o intuito de se falar e fazer coisas secretamente se a Bíblia está aberta à leitura e à meditação? Se, em havendo dificuldades há a Igreja para interpretá-las, há os dogmas para esclarecê-las? Portanto, difícil dizer que uma sociedade secreta seja, só por isso, uma heresia. Mas, que pode caminhar facilmente para ela, parece-me bastante natural; e indesejável.

    São essas as minhas considerações iniciais, pelo que lhe passo a palavra para continuarmos nosso tema.
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  7. Réplica

    Em seu exórdio o apologeta João Cirilo portou-se como um exímio pregador bíblico enumerando enfadonhamente passagens das sagradas escrituras deixando de lado o empenho retórico quase totalmente de lado. Exceto por uma tentativa de induzir o público ao erro e engano tentando fazer estes crerem que respondi a uma pergunta eu mesmo fizera.

    Convém que haja uma refutação dessa degenerada astúcia de fugir da pergunta dizendo que já se tem resposta ao invés de responder. Acredito que este foi o ponto espinhoso o qual ele foge da “quaestio facti” e não quer responder nesse debate: Porque a Igreja não age de acordo com os ensinamentos do suposto fundador e mutila suas bases bíblicas a troco de conveniências temporais? Isso a tornaria uma instituição herética?

    A Igreja Católica fundada pelo próprio Cristo conforme a tradição desta alega fartamente diz-se santa e pecadora, quando faz algo de bom se diz santa, quando faz algo de lastimável joga a culpa nos homens falíveis que a conduzem como se todos os degenerados e pecadores da mesma se assemelhassem a Rodrigo Bórgia ou ao próprio Judas Iscariotes.

    O aspecto benevolente e perdoador condigno da figura de Cristo que sabidamente era pobre, humilde e misericordioso passou ao largo das ações da Inquisição que ao invés de buscar converter pessoas preferiu condená-las a morte tanto pelo fogo como pela espada. Aqueles a quem não matou, aprisionou ou fez de refém de seu poder como aponta o clamoroso caso de Galileu Galilei preso e indexado com a censura e proibição de seus tratados que só seriam publicados pelos protestantes os quais a Igreja naquela época tinha rixa ferrenha quanto a dogmática a ponto de excomungar os traidores da Santa Sé. O pano de fundo disso tudo remonta a acusações de heresia sobre tratados ciência e teses teológicas contrárias a dogmática católica, porém com consistente arcabouço na Bíblia. 
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  8. Agora notem a incoerência da mesma instituição 500 anos depois: Caso Marcel Lefebvre, bispo conservador contrário as reformas do Concílio Vaticano II e adepto do chamado tradicionalismo. Foi excomungado pelo Papa João Paulo II, pois nada mais nada menos, não aceitou as regras progressistas impostas pelo concílio e continuou a exercer suas atividades episcopais conforme sua consciência e fé na tradição mandavam. Agora vejam o desatino da mesma: Caso Leonardo Boff: Expoente pensador da Teologia da Libertação foi condenado apenas ao silêncio obsequioso pelo Cardeal Ratzsinger chefe da Congregação da Doutrina da Fé já citada na época dos fatos, e pasmem, Boff não foi excomungado até hoje assim como nenhum dos seus adeptos dominicanos e jesuítas no Brasil que ao invés de pregar a salvação, pregam “O Evangelho segundo Karl Marx”.

    A discrepância é nítida, excomungam um por fazer as coisas como elas eram de acordo com a tradição, e não excomungam o outro porque ele não segue a cartilha nem a de antes nem a atual. Qual desses dois o João considera herético? Sem sombra de dúvida o segundo, pois ele categoricamente respondeu quando perguntando se a Teologia da Libertação poderia ser taxada como heresia a seguinte afirmativa: “Sim, indubitavelmente sim. Penso que as ideologias podem conspurcar a verdadeira fé, e um exemplo delas é justamente a Teologia da Libertação, que resvala (para não dizer que adentra, com foice e martelo) para as lutas agrárias, para as posses e as propriedades aqui mesmo, e não foi esta a mensagem deixada por Jesus”.

    Pergunto-lhe caro apologeta: A Igreja tem coerência em suas decisões administrativas diante desses casos contraditórios e escabrosos ao menos inicialmente?

    Outro ponto a ser visto nessa questão das heresias são os textos apócrifos ou gnósticos atribuídos aos discípulos e apóstolos de Jesus não contemplados pela Igreja como legítimos e fidedignos da veracidade sobre a vida do mestre. Certamente o respaldo maior para viabilizar isso é o argumento que tais textos não são de “motu proprio” dos discípulos tendo em vista que confirmações de datação histórica afirmam que tais textos foram produzidos um século depois que os quatro evangelhos legitimados pela Igreja já eram conhecidos amplamente. 
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  9. Não obstante disso é que se ingressa nessa questão da heresia a presença das sociedades secretas. O motivo e razão é simples e peculiar: Essas ordens secretas seguem esses evangelhos apócrifos e gnósticos não creditados pela Igreja e o fazem dentro dum mecanismo de ocultação de suas atividades. Reconhecidamente é notório que o atual Papa Bento XVI é taxativo em afirmar segundo suas convicções de fé que, por exemplo, a Maçonaria é uma instituição da qual os fiéis de sua crença devem se afastar e não ter sequer contato com os conhecimentos por esta propagados de forma secreta.

    Agora notem a opinião temerosa do João acerca disso: “(...) dfícil dizer que uma sociedade secreta seja, só por isso, uma heresia. Mas, que pode caminhar facilmente para ela, parece-me bastante natural; e indesejável.”

    Esses dois assuntos pelo visto são os mais destacáveis nesse debate e merecem maior discussão ao meu ver: Se as sociedades secretas podem ser sociedades heréticas como remonta ao caso dos cátaros e porque a Igreja poderia ser uma instituição herética por não seguir a risca os mandamentos do seu suposto fundador, sobre o qual há controvérsia se é Jesus ou Constantino segundo os ateus e pesquisadores mais vorazes.

    Nitidamente fica claro que caso seja Constantino ele ordenou que os ritos litúrgicos do catolicismo fossem de certa forma parecidos com o chamado “Cultus Deorum” isto é a religião paganista romana que venera deuses, assim como a católica passou a venerar santos dizendo que não se trata de idolatria, mas sim dulia. Motivo: A similaridade do culto facilitaria a conversão a nova religião pouco importando o Deus que cultuavam. Por outro lado, temos em contraposição a chamada caça as bruxas que a Inquisição condenava certas mulheres misteriosas por serem seguidoras de doutrinas pagãs ou meras adulteras e fornicadoras a mesma pena capital. Notem que o contra senso parece mais uma vez escancarado assim como no caso Lefebvre x Boff e Instituição x Mestre.

    Diante deste painel eu encerro a minha réplica e aguardo mais uma vez a participação do meu adversário nessa discussão tão emblemática.
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  10. RÉPLICA:

    As passagens bíblicas enfadonhas têm por escopo fundamentar a tese procurando alicerçar os argumentos pois não os enumeraria por conta, inventando-os sem apoio bíblico. Preferiria dizer simplesmente que não saberia a resposta do que dizer algo sem base. Sou avesso a isso, não gosto de sofismar pelo prazer de enredar adversários em raciocínios especiosos, num cipoal de palavras.

    Falar novamente se a Igreja é ou não é uma instituição herética me parece desassisado: já o disse por duas vezes, inclusive na resposta a uma das perguntas no fecho das considerações: não vejo porque tornar ao ponto, já “enfadonhamente” listadas as razões..

    Digo o mesmo sobre “conveniências temporais”, porque este assunto foi tratado até como decorrência lógica da missão da Igreja, conforme podemos extraímos das citadas passagens enfadonhas (sem embargo de outras, provavelmente ainda mais enfadonhas para o gosto do meu oponente).
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    É este o conceito de “santa e secadora”, meu caro Alonso, porque no seu seio, composto de homens, pecadores por natureza (quem diz que não tem pecados é mentiroso, como nos alerta São João em sua Primeira Carta) há toda uma gama de cristãos, de um Rodrigo Bórgia a um Judas Iscariotes, passando por gente pior do que eles, de um lado; e santíssimas de outro, como o panteão hagiográfico nos mostra. O trigo e o joio crescem juntos e na colheita o dono da messe fará a escolha, recolhendo um para o celeiro, outro para o fogo que não se apaga.

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    O caso do Galileu Galilei é um apelativo que faz sucesso entre os modernos, que por regra detestam o estudo, têm ojeriza por uma reflexão mais acentuada, que se feita, fariam uma meditação e análise mais apurada das coisas. Sempre seguem verdades vendidas e empacotadas por outrem, e se é uma atitude obviamente cômoda, não é muito inteligente.

    Como o nome do cientista foi comentado “em passant”, também a voo de pássaro comento que esta é uma história mal contada que ao longo dos tempos tomou vulto muito considerável e mentiroso, até por conta do pronunciamento infeliz do beato João Paulo II ao pedir desculpas sobre o ocorrido, talvez porque ele próprio não tenha lido muito bem a História Geral; e não deu atenção a seu antecessor, Urbano VIII, papa à época, e admirador confesso de Galileu.

    O falecido beato talvez se esqueceu que o problema de Galileu não fora com a Ciência, menos ainda com o sistema heliocêntrico, mas porque afrontou as escrituras pretendendo que a Igreja a interpretasse segundo os fundamentos dele. Mas, em que pese o assunto ser apelativo e muleta a todos os que atacam a Igreja com os enérgicos aplausos de outros tantos sem conhecimento de causa, eu até gosto de tornar ao ponto, porque tenho rematadas oportunidades de demonstrar o vazio impressionante dessas teses; e mais ainda, evidenciar o divórcio lamentável entre o falar em grande cópia e o estudo crítico e meticuloso, ainda que em doses homeopáticas.

    Todavia, se o falecido Papa João Paulo II tinha esse problema histórico, não significa que tenhamos que lhe seguir a traça, ainda mais ao lermos a biografia do frade polonês Nicolau Copérnico. Esta simples leitura já nos basta, pois se temos a vantagem de olhar para o passado na comodidade de nossas poltronas, temos a obrigação de sermos mais honestos, senão com a Igreja, pelo menos com nosso cabedal de massa cinzenta.

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    Monsenhor Marcel Lefebvre não foi excomungado. Foi suspenso de algumas atividades sacerdotais em 24/07/76 com alguns membros da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. O édito lhe proibia de celebrar Missa, pregar ou ministrar sacramentos. Ele ignorou tais sanções e fez bem: nos anos seguintes houve um afluxo maior de candidatos ao sacerdócio no Seminário de Écône, que ele dirigia, sendo todos ordenados pelo bispo, que já falecido (1991) sempre permaneceu firme em sua postura; e com o Papa Bento XVI vimos percebendo que Sua Santidade acaba, ainda que tardiamente, lhe dando razão.
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  11. Para simplificar o assunto, registro que ele foi um bispo opositor do CVII. Eu também sou; e até onde eu saiba não fui excomungado e nem suspenso.

    A bem da verdade, até o papa é contra o resultado do CVII. Pois é por conta do alicerce do Concílio que se ergueram doutrinas as mais erradas e estapafúrdias, como as do citado frei Leonardo Boff, que se auto excomungou ao amasiar-se com uma militante dos direitos humanos (qualquer semelhança com Lutero talvez não seja mera coincidência).

    Seja como for a doutrina de Boff, com base na comunista “Teologia da Libertação”, não tem assento bíblico e só prega a revolução nos campos e nas cidades, isto sim, contrário à ordem de Cristo e sujeito às penalidades do Santo Ofício.

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    A coerência interna da Igreja é indisputável, em primeiro lugar porque está incólume exceto as naturais vergastadas ao longo dos séculos, o que só ocorre com uma instituição firme, com bases inalteradas; em segundo lugar pelo tratamento dado ao Monsenhor Lefebvre, que é sintomático.

    O falecido pastor francês se opôs frontalmente ao mal ajambrado ecumenismo do CVII, e nunca arredou pé da “Missa de Sempre” do Concílio de Trento. Nada fez de errado, apenas não seguiu muitas recomendações do CVII, até porque foi um concílio pastoral e não dogmático.

    Se a Igreja não gostou da atitude dele, afinal o assunto foi debatido “interna corporis” antes de vir à luz em novembro de 1962, tolerou sua postura, pois nunca desautorizou, suspendeu ou excomungou qualquer sacerdote ordenado no Seminário de Écône, por ele dirigido.

    E até com Genésio Boff, que talvez inconscientemente tenha feito um favor à Igreja ao se casar, poupando-a de tomar atitudes mais drásticas que o “silêncio obsequioso” de um ano, que lhe foi imposto em 1985, recuperando algumas funções pastorais no ano seguinte, posto que sob severa vigilância.

    Caro debatedor, embora haja coerência nas decisões da Igreja, digo que suas atitudes nem sempre são prontas e diretas. No meu entendimento – que nada conta – penso que muitas vezes vacila, e se é bom por um lado (FSSPX) é ruim por outro (CNBB e Genésio Boff), que deveriam ser silenciados há muito: pois uma coisa é não aceitar o ecumenismo e manter-se firme nas tradições e nas orientações vetustas; outra é sair por aí em movimentos ditos sociais, extremamente politiqueiros, violentos servindo muito mais a César do que a Deus.
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    O problema dos “textos apócrifos ou gnósicos atribuídos aos discípulos e apóstolos de Jesus não contemplados pela Igreja”, não é um verdadeiro problema, já que parte da solução é dada pelo próprio debatedor ao escrever que “tendo em vista que as confirmações de datação histórica afirmam que tais textos foram produzidos um século depois que os quatro evangelhos legitimados pela Igreja já eram conhecidos amplamente”. .

    Isto obviamente responde e resolve uma porção de problemas relativos aos apócrifos. Entre outros, como o total descompasso entre o que Jesus pregou e o que foi escrito, tais os evangelhos apócrifos nomeados a Judas Iscariotes e Maria Madalena.

    Porque é claro que se cada escritor tem o seu estilo, mais claro ainda é que deveria escrever de forma coesa com os ensinamentos de Jesus a partir dos escritos paulinos, que antecedendo aos evangelhos, deram a base para a elaboração deles.

    E os evangelhos supostamente atribuídos a Judas ou a Maria Madalena (para ficarmos só nos dois exemplos mais notórios), são totalmente dicotômicos em relação às verdades propostas, pelo que não poderiam, mesmo, fazer parte do cânone, ainda que contemporâneos aos apóstolos.

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    Contrariamente ao afirmado categoricamente pelo meu oponente, minha opinião sobre as sociedades secretas não é medrosa. Com todo respeito, é de extrema obviedade: se são secretas, a princípio não posso dizer se os assuntos tratados são heréticos; não conhecendo os estatutos, não há como dizer “a priori” se contêm ou não heresias e em que medida.
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  12. Em contrapartida, observei que provavelmente têm tendências à heresia, do contrário não seriam secretas, já que a doutrina está exposta na Bíblia e, em caso de dúvidas ou vacilações, podem ser sanadas pelos ensinamentos de sua intérprete autorizada, que é a Igreja Católica.

    Nas palavras do meu oponente Sua santidade fala da maçonaria. Esta é bastante conhecida desde pelo menos Felipe, o Belo, da França. Todos a tem por herética, até por causa justamente deste hermetismo.

    Ora, mas então o movimento neocatecumenal católico também será na medida em que os partícipes da corrente a conhecem aos poucos através de apostilas, que são entregues às pessoas que atingiram determinado nível. Ou seja, quem é iniciante não conhece os passos seguintes, que só vão se dando a conhecer na medida em que o jejuno vai trilhando o caminho.

    Podemos dizer que o movimento é sectário mesmo compondo o cotidiano da Igreja, em que pesem as tais apostilas? Parece-me que uma afirmação peremptória seria por demais fatalista, considerado só o sistema de graduação de seus membros.

    Até porque são movimentos nas Igrejas e seguidos de perto pelos padres. Então penso que com relativa folga poderemos tirar essa pecha pela participação efetiva do corpo sacerdotal.

    Por isso disse na minha primeira participação que pode haver uma tendência natural à heresia nesses movimentos fechados, mas que não se pode afirmar positivamente de chofre, em razão do desconhecimento das regras (do contrário não seriam secretas) havendo mister que a busca seja afeta a cada caso concreto, não existindo resposta antecipada, basilar e uníssona, sobre o assunto.

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    Penso que Constantino nada ordenou acerca dos ritos litúrgicos do catolicismo como pensa meu combativo oponente. E digo isso por duas razões:

    a) A intenção de Constantino (274-337) era de apaziguar e pacificar o Império Romano; percebeu que o cristianismo crescia a olhos vistos e organizadamente, podendo substituir com sua unidade de crença e rito, sem traumas ou rompimentos, a religião politeísta e os deuses do panteão romano; o imperador viu a unidade política e não religiosa, que suponho entendesse muito pouco, para não dizer quase nada;

    b) as linhas da Celebração Eucarística que permanecem até nossos dias fora esboçada em carta endereçada ao imperador pagão Antonino Pio (138-161) por São Justino, o Mártir, em carta escrita pelo ano 155, onde o santo contava o rito já com sua espinha dorsal: a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística.

    Exposta a minha réplica, à tréplica de meu oponente, sempre combativo digno dos mais sinceros respeitos.
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  13. Tréplica
    Sem sombra de dúvidas estamos diante de um apologeta. Sim João Cirilo é apologeta e condena com pinçadas de inquisidor espanhol qualquer mísera fanfarronice que se oponha a Igreja Católica. Caso cite-se Nelson Rodrigues: “De vez em quando, um desses fumantes me diz: - “Marx é maior do que Cristo”. E outro viciado jurou-me: - “O verdadeiro Cristo é Marx”. Ambos usavam a mesma ênfase alucinatória. Bem os entendo”.

    Pois bem, Nelson Rodrigues não é o Pe. Antônio Vieira que fugiu de Portugal temendo a inquisição e muito menos é Erasmo que versa sobre a alucinante teologia dos teólogos católicos: “Há algo mais divertido que as práticas minuciosas que regulam suas ações com uma espécie de exatidão matemática, e cuja violação é um crime a ser expiado?”. Isto é: O que mais dá sentido a atividade teológica católica o poder de impor dogmas ou o poder de condenar quem discorde deles?

    Isto posto, fica claro que todo aquele que discorda ou se torna, por esta ou aquela opinião mais livre contrário a doutrina católica imposta é aclamado como herético. Ora que a própria Igreja exprime que incredulidade nos seus dogmas e formas de pensar e conduta é de fato herético e condenável: “A incredulidade é a negligência da verdade revelada ou a recusa voluntária de lhe dar o próprio assentimento” e arremata de forma calamitosa o parágrafo 2089 do CIC: “Chama-se heresia a negação pertinaz de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou duvida pertinaz a respeito dessa verdade”.

    Com base nessa forma de pensar a Igreja certamente considera meio mundo herege, pois se somarmos aqueles que são ateus, agnósticos ou de outras denominações cristãs o mundo quase inteiro é dado à heresia duma forma ou de outra. Em outros termos: A Igreja Católica é a única dona da verdade e quem discorda dela está equivocado? Não, equivocado seria uma benesse da mesma. A Igreja afirma sem menor pestanejo que o sujeito que a descrê está é totalmente errado.
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  14. Decorrente disso é que a chamada gnose se torna uma das piores pragas que a Igreja combate desde que foi inventada. Gnose segundo o conceito mais simples é uma forma de conhecimento que liberta duma realidade opressora e alienante.

    Por isso tomemos como exemplo um sujeito qualquer que passa a ler os textos apócrifos, considerados como gnósticos como o chamado “Evangelho da Verdade” o qual é condenado como herético pelo teólogo medieval Irineu de Lyon fazendo com isso dar a voz da razão à citação de Erasmo que elenquei acima. Isto é, os teólogos não gostam de serem contrariados em suas verdades absolutas, e quando isso ocorre é como se fosse um delito passível de punição.

    Esse sujeito me faz recordar Eliphas Levi que tinha tudo para ser um sacerdote, mas resolveu confessar que além de amar certa mulher, que tinha certas leituras nada convencionais para um seminarista e que flertava com a gnose contida nesses textos apócrifos a ponto de redigir, salvo engano, uma nomenclaturada “Bíblia da liberdade”. Notem bem que liberdade é um termo recorrente e séculos depois Leonardo Boff ajuda a fundar a Teologia da Libertação, mas de fato se trata da libertação do que? Das convenções filosóficas, teológicas e morais impostas pela Igreja ou duma forma de pensar rude e elementar que aprisiona as pessoas em convicções as quais são proibidos e vedados de questionar tudo isto a luz da crítica e da razão? Espero que o João responda isso de acordo com suas convicções que até agora se apresentaram presas a uma formatação rude e elementar de explicar suas próprias convicções.

    Nesse escopo muitas sociedades secretas parecem desejar dar a resposta e aqui cabe uma reflexão sobre o simbolismo maçônico do compasso que remete a idéia de que o conhecimento vindo de cima, mas que se firma num ponto fixo imanente que transcende e retorna ao campo imanente para formar um circulo que simboliza a igualdade e unidade sobre esse conhecimento. Em outras palavras: Não existe uma autoridade sobre o conhecimento sobrenatural e humano, este conhecimento é dado para todos que o busquem sem monopólios e regras opressivas de cunho religioso, pois faz parte da natureza do próprio universo e da humanidade em si mesma.
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  15. Agora tomemos mais uma vez a figura e vida de Jesus narrada nos evangelhos, tanto dos clássicos canônicos como dos apócrifos. A figura de Jesus representa conforme ele mesmo diz o cumprimento duma profecia contida em Isaías que menciona que a sua presença servirá: “Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e do cárcere os que jazem em trevas”. Isto é mais uma vez uma alusão que remete a idéia de liberdade e não de entraves legalistas de conduta que se faziam presentes no judaísmo com se fazem agora nos dogmas católicos.

    Se notarem bem Jesus surge nesse contexto como uma opção diversa daquela que era a corrente, e permitia que seus seguidores escolhessem entre a sua mensagem ou que ficassem com aquilo que melhor lhes parecesse apto a dar-lhes sentido em suas vidas. Isso pode nos fazer crer que Jesus é um dos percussores da heresia em sentido literal, pois ele deu outra opção, outra possibilidade de escolha para que se fosse compreendido os mistérios entre Deus e os homens. Qual foi o resultado desse tipo de conduta de Jesus em sua época? Esse tipo de conduta o levou a morte, a condenação pelos doutores da lei, pois tudo aquilo que advinha de seus ensinamentos revolucionava de certa forma a interpretação geral da mística humana conhecida até então por aquela cultura naquela época.

    Diante disso fica a questão: Uma instituição que tenha como fundador o próprio Jesus não deveria ser aberta ao diálogo ao invés de considerar como cabal e inalterado seus pontos de vista chegando ao ponto de condenar irrestritamente o pensamento dissidente?

    Vejamos se o meu oponente responde algo além de que “Cristo é o elemento definitivo e depois dele tudo está consumado como verdade absoluta” e nos traz algum dado novo acerca disso. 
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  16. TRÉPLICA:

    Meu oponente teima com a posição da Igreja e procura infirmá-la de qualquer maneira, mesmo que para isso procure, à força de muitas palavras, desvirtuar os fatos. De qualquer forma, e como eu já disse e até as pedras já sabem, o Santo Ofício foi formalmente criado pela Igreja Católica em 1231 para coibir as heresias dos cátaros e albigenses.

    Este é o fato. E a Inquisição se formou com estatutos, nomeando-se padres dominicanos, os mais eruditos de então para capitaneá-la. Sabemos que havia um código de conduta, que os réus recebiam tratamento muito melhor do que recebiam quaisquer investigados pela justiça comum, que a bem da verdade, não tinham direito individual algum.

    Insistirei, pois parece que o ponto não está claro, dizendo que a ICAR, como Religião Oficial do Império foi convidada por este mesmo Império para dizer se determinadas condutas eram ou não contrárias à fé, se determinada pessoa era ou não herege: se assim fosse considerado e se o réu não abjurasse corria o risco de ser entregue ao braço secular sofrendo as penas traçadas adrede pelo Império.

    Então há uma história, fatos, há uma cronologia. Macula injustamente a Igreja o ônus do julgamento como cabia fazê-lo, conforme disse na minha réplica mostrando os fundamentos tachados de enfadonhos, mas que mesmo assim não hauriu nada e eu imagino onde estaríamos se não tivesse falado nada!

    Então, julgando, atraiu para si os ônus de julgar, de imputar, de condenar. Isso a deixou na berlinda enquanto os protestantes, espalhados pela Europa afora espalharam também suas truculências e suas crueldades, e muita gente tola ou maldosa ou ambas, debitam à Inquisição condenações e mortes perpetradas ou pelos príncipes reformista, ou pelos próprios reformadores.

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    No meu CIC o § 2089 trata da fé, mas não tem problema algum, porque a explicação dada pelo Alonso me parece bastante razoável: negação pertinaz de qualquer verdade de fé.

    A pertinácia alcança foros importantes aí e vem ao encontro das atividades inquisitivas, porque alguém só é condenado mantendo-se herege sem abjurar de forma alguma, mantendo-se firme nas convicções com total certeza do que crê, ciente que está em desconformidade com a doutrina que diz seguir.
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    Reconheço que não sei o conteúdo do mencionado “Evangelho da Verdade” trazido à baila pelo meu oponente, dizendo que foi condenado como herético pelo teólogo Irineu de Lyon.

    Se foi classificado como herético é porque as doutrinas contidas não estavam conforme a “praxis”, em algum ou alguns pontos, desviava-se dos alicerces doutrinários pregados num primeiro ponto por São Paulo. Não sei porquê meu oponente insiste nisso se o assunto foi tratado na minha intervenção anterior.

    Se diverge de algo neste sentido penso que deveria mostrar onde encontra heresias nos Evangelhos como um todo, e não criticar quem critica este ou aquele padre antigo que excluiu este ou aquele livro do cânone neo testamentário.
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    Falando em heresia (que é o ponto do debate) e já que não tenho nada para dizer acerca do “Evangelho da Verdade” anunciado pelo Alonso, valho-me da oportunidade para tecer algumas considerações sobre algumas heresias observadas na Igreja nascente.

    Conforme Paul Johnson, “a crise atingiu um clímax na segunda metade do século II, mas vinha se desenvolvendo há muito tempo. A natureza do cristianismo, transmitida rapidamente por evangelistas errantes, atraia charlatães. Alguns dos primeiros documentos cristãos (assim com as mais antigas falsificações pias) foram tentativas de assentar a boa–fé dos missionários e alertar contra as fraudes” (História do Cristianismo, Imago Editora, 2001, pág. 64).

    Cada Igreja espalhada pretendia ter o próprio Cristo: “Cada Igreja tinha sua própria ‘história de Jesus’, e todas haviam sido fundadas por um membro do bando original que passara a tocha adiante para um sucessor designado, e assim por diante. O elemento mais importante a todas essas Igrejas primordiais era a árvore genealógica da verdade”. (idem, pág, 60).
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  17. Ainda segundo ele, “os gnósticos tinham duas preocupações centrais; as crenças em um mundo duplo de bem e mal e a existência de um código de verdade secreto, transmitido verbalmente ou por meios de escritos arcanos. O gnosticismo é uma religião do ‘conhecimento’ – é esse o significado da palavra – que afirma deter uma explicação interna para a vida. Daí ele te sido, e, na verdade, ser ainda, um parasita espiritual, valendo-se de outras religiões como ‘portadoras’. O cristianismo prestava-se muito bem a esse papel. Tinha um fundador misterioso, Jesus, que, convenientemente, desaparecera, deixando par trás um conjunto de ditos e seguidores para transmiti-los; e, claro que além dos ritos públicos havia os ‘secretos’, transmitidos geração a geração por membros da seita. Assim, certos grupos gnósticos aproveitavam-se de pedaços do cristianismo, mas tendiam a isolá-lo de suas origens históricas” (pág. 60)

    Ao lado do gnosticismo, que dizer de Simão o Mago, o primeiro heresiarca da história da Igreja, que já no tempo dos apóstolos pregava ter sido o mundo criado pelos anjos e não por Deus? Pelo ano 170 aparece na Frígia outra heresia, capitaneada por Montano, um sacerdote da deusa Cibele convertido ao cristianismo levando fantasias pagãs, chegando ao cúmulo de se autoproclamar o Paráclito, dizendo que em nome do Espírito Santo anunciava o fim do mundo.

    Um pouco mais tarde surgem os maniqueus, assim denominados por serem discípulos do persa Mani, que se apresentava como o “apóstolo do Verdadeiro Deus” pregando a existência de dois Reinos bem distintos, o Reino da Luz e o Reino das Trevas, do qual saíra o demônio. Como se nota, o maniqueísmo é seita que remonta a Zoroastro, também persa, que dizia ter sido o mundo criado por duas divindades distintas, Arimã (o deus do Mal) e Aura-Masda (Ormuz) o deus do Bem.

    Ario fora um padre em Alexandria. “Com homilias, cartas e cânticos sacros, propaga uma doutrina revolucionária, rebaixando Jesus cristo ao nível de um herói ou de um mero semi-deus. ‘Jesus não é Deus, mas uma simples criatura do Pai eterno...’ O padre heresiarca é expulso pelo seu bispo com os poucos seguidores. Ario pregou suas heresias à gente humilde de Alexandria, causando desordens sem conta. A unidade da fé não havia ainda ocorrido perigo como agora. Por isso, o imperador Constantino – que estava empenhado em prol da paz religiosa – decide mandar que se dirima as discussões por meio de um concílio ecumênico de todo o império, em Nicéia” (“História da Igreja”, Monge A. B. Simonetto Edições Paulinas, 1980, pág. 47/48).

    Evidentemente que todos esses cismáticos era gente instruída cuja pregação solapava com relativa facilidade os simples, que ainda conviviam com escritos que a Igreja não acolheu por apócrifos. Citei na minha réplica dois deles – Judas e Maria Madalena.

    Até onde minha memória me ajuda, pelo evangelho de Judas Iscariotes, ele fora o melhor amigo de Jesus e foi quem o ajudou à vera na missão, porque o Mestre estava a ponto de abandoná-la, e ao traí-lo trouxe as coisas ao seu reto caminho. O de Maria Madalena insinua – ou é até direto – numa vida marital dela com Jesus.

    Qual é a relação entre esses evangelhos e a realidade? Ao lermos nos quatro Evangelhos a passagem da Última Ceia, vemos com tristeza que Jesus anuncia ao próprio Judas Iscariotes que ele, Judas, iria traí-lo. Di-lo com todas as letras. Poder-se-á dizer, então, que os evangelistas canônicos uniram-se numa mentira para inculpá-lo, o que seria um grande absurdo, além de terem uma imaginação fortíssima e muito bem concatenada, porque Jesus disse em mais de uma ocasião que seria traído, seria morto e ressuscitaria (Mt 20, 18-19, Mc, 14, 28, Lc, 18, 31-33) pelo que há lugar para as vicissitudes do apócrifo evangelho de Judas. E nem o de Maria Madalena, porque de Jesus nunca se viu falar de relacionamentos com quaisquer mulheres em nenhum dos Evangelhos (Mt, 19, 10-10; Mt, 22, 28-30, Lc, 18-29-30).
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  18. Se corretas essas assertivas, quero crer que nenhum deles poderia compor o cânone, que pressupõe um corpo íntegro com a doutrina de Cristo atrelada aos Livros necessários e completos do Velho Testamento (a Igreja não repeliu os chamados deuterocanônicos veterotestamentários, expurgados pelos judeus no Concílio de Jâmnia).

    Como conviver lado a lado a história de Judas com o relato da Paixão, especialmente o que ocorreu na Última Ceia? Como enfiar de permeio considerações lúbricas sobre um relacionamento carnal entre Jesus e Maria Madalena, se o Mestre recomendou a castidade como o melhor caminho para a santificação e o Reino dos Céus?

    Onde afinar a doutrina carnal com as recomendações expressas de São Paulo na 1Cor onde sugere a virgindade e a castidade? Ora, quer me parecer que São Paulo não recomendaria isto ao comum dos homens se Jesus mesmo não fora assim!

    Como fugir das ciladas? Um guia seguro é as Cartas Paulinas, que deram o norte à Igreja nascente. São Paulo escreveu sua primeira Carta no inverno de 51 (1Tes) e a última já na prisão em Roma, por volta de 67 (2Tim). Toda a doutrina cristã gira em torno dessas Cartas, que precederam até mesmo os Evangelhos.

    Neste alicerce (especialmente as monumentais Carta aos Romanos e as duas aos Coríntios, além da Carta aos Gálatas e aos Filipenses) é construída toda a dogmática cristã vertida no Novo Testamento. O que sair daí pode descambar para as heresias.

    Acima vimos em rapidíssimas pinceladas o que turbou a Igreja nascente de então. Quando partiram para escrever a tradição oral, os textos que não se ligavam seguramente aos apóstolos não eram aceitos (IIPd, 3, 15-16), pode-se imaginar a dificuldade para joeirar o certo do errado.

    Segundo a Wikipedia, “a lista completa dos livros do NT conforme existe hoje aparece pela primeira vez na Epístola 39 de Santo Atanásio de Alexandria para a Páscoa de 367 (onde tirou as dúvidas com relação aos deuterocanônicos do Novo Testamento: a epístola aos Hebreus, a Segunda Epístola de São Pedro, Apocalipse, a Epístola de São Tiago, a terceira epístola de São Tiago e a Epístola de Judas). Esta mesma lista foi confirmada por documentos posteriores como o Decreto Gelasiano e os cânones dos concílios de Hipona, Cartago III e IV. A definição oficial dos livros do NT foi realizado pela Igreja Católica, no Século IV quando São Jerônimo realizou a compilação completa da bíblia, acabou com os questionamentos sobre a canonicidade dos livros Deuterocanônicos do NT”.

    Diz-se ‘deuterocanônicos” do Novo Testamento porque desde pelo menos 160 de nossa era um documento chamado “fragmento muratoriano”, que levou esse nome porque impresso pela primeira vez em 1740 por L.A. Muratori) já dava como certos os livros protocanônicos, sem margem a discórdias: os quatro Evangelhos, as epístolas paulinas, e as duas primeiras epístolas de São João.

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    Finalmente, não sei onde é que Jesus pregou a liberdade que meu oponente alvitra na tréplica. Não sei onde é que permitiu “que seus seguidores escolhessem entre sua mensagem ou que ficassem co aquilo que melhor lhes parecesse apto a dar-lhes sentido em suas vidas”. Não considerarei, levando pelo lado do ardor do debate, sua afirmativa de que “Jesus é um dos precursores da heresia em sentido literal, pois ele deu outra opção, outra possibilidade de escolha para que fosse compreendido os mistérios entre Deus e os homens”.

    Porque Ele não deu e nem permitiu, Alonso. Não sei o que o levou a escrever um absurdo desses. Não sei se pensa que alguém que ler o debate vai cair no seu laço ou se acredita fielmente nisso. De um jeito ou de outro é triste e preocupante ler tais assertivas, principalmente se tiverem por escopo atrair algum leitor incauto e amante das facilidades da vida, caso e que não só será um herege, mas colaborará para que outros tenham a mesma sorte.

    Despeço-me aqui aguardando suas considerações, finais, caro Alonso.
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  19. Então sou herege! E satisfeito.
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  20. Considerações Finais

    I - Nesse debate eu fiz questão de evidenciar dois conceitos sobre Heresia. O primeiro se liga ao conceito “latu sensu” e o segundo ao conceito da ICAR que estabelece como heresia a incredulidade e não aceitação dos seus preceitos dogmáticos e pastorais por qualquer pessoa que insista em não se perfilar de acordo com se determina como fé divina e católica.

    Apenas sugeri a ICAR como instituição herética por se desviar dos ensinamentos de seu suposto fundador Jesus de Nazaré e para terminar esse apontamento indico as seguintes situações já trazidas a baila no decorrer do debate:

    - Inquisição e perseguição de fiéis que pensavam de forma diversa da doutrina imposta pela ICAR. Jesus jamais perseguiu ninguém, muito pelo contrário, ele acolhia as pessoas ao seu redor e incentivava de forma amigável sua conversão aos seus propósitos e pregação. Segundo ele foi perseguido justamente por combater a doutrina anterior do judaísmo dogmático e legalista fundado na chamada lei mosaica seguida com base nos livros do Antigo Testamento de forma rígida e imposta de forma opressora muitas vezes pelos detentores da autoridade religiosa de seu tempo.

    - Formação duma instituição rica e poderosa no âmbito político e econômico: A história da ICAR revela que ela detinha em suas mãos terras, bancos, e exércitos que invariavelmente eram usados para combater seus desafetos e manter o seu poder sobre as instituições temporais inalterável. Jesus era carpinteiro e trabalhador ganhava seu sustento pelo suor de rosto ou pela doação de terceiros sem nunca usar esses meios para criação de nenhum fundo patrimonial que beneficiasse seu grupo de seguidores. Jesus não detinha ambições políticas e era contrário ao uso da espada contra seus perseguidores.

    Logo nota-se que a ICAR deixou de se balizar pela figura de seu suposto fundador inúmeras vezes.
    De acordo com essa conduta a ICAR se tornou muito mais uma instituição de alienação através do uso da religião, pois o processo de poder estava sempre ligado à ação sobre a consciência e situação humana de seus seguidores, pela qual se ocultava o poder e falsificava o uso legitimo dos ensinos de seu suposto fundador. Os seguidores mesmo notando os produtos desse processo de alienação restam muitas vezes indiferentes e creditando a mesma a superioridade de mantenedora dos ensinos de Jesus apesar de suas falhas gritantes. 
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  21. Uma igreja que aliena é uma instituição que desvia-se do propósito essencial cristão da “verdade os libertará” e por isso deveria ser taxada de herética segundo ao conceito “latu sensu” de heresia devido a não balizar suas ações incondicionalmente aos preceitos de seu fundador tornado-se assim uma opção e escolha pela alienação dos reais ensinos de Jesus.

    O oponente é um desses seguidores mais radicais que pensa em estrito acordo com a sua instituição e acha que quem não acolha seus preceitos ou os questione como eu fiz nesse debate é um potencial herege de acordo com a definição católica de heresia. Segue a afirmação do mesmo que confirma esse modo de pensar: “De um jeito ou de outro é triste e preocupante ler tais assertivas, principalmente se tiverem por escopo atrair algum leitor incauto e amante das facilidades da vida, caso e que não só será um herege, mas colaborará para que outros tenham a mesma sorte”. Isto é, o João Cirilo me considera um herege e todo aquele que vier a concordar com alguma das minhas posições um herege também.

    Ele mesmo segue a doutrina da instituição e a aplica aos dissidentes dela, ao invés de seguir os ensinos que Cristo que pregam a fraternidade e amor ao próximo e perdão ele prefere desde logo taxar toda e qualquer pessoa que use a reta razão crítica em desfavor da Igreja de herético. Fica a questão: Isso é seguir mais a Igreja ou seguir a Cristo em sua essência?



    II - O segundo ponto dominante do debate tratou das questões dos textos apócrifos desconsiderados pela Igreja como fontes legítimas, e portanto, heréticas de aprendizado sobre Cristo. Como já apontado muitos desses manuscritos foram manufaturados cerca de um século após da definição da Igreja dos Evangelhos tidos como canônicos, mas isso por si só não afasta a existência anterior de outros e nem a legitimidade destes posteriores, pois segundo a própria Bíblia: “Toda escritura é inspirada por Deus, e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar a justiça” (2 Timóteo 3,16)
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  22. Aqui cabe uma misteriosa questão a ser feita: Será que Deus teria inspirado os autores dos apócrifos um século depois redigir novos evangelhos para ensinar, repreender e corrigir a fim de tornar mais justa (no sentido de equilibrado conforme é usado na bíblia) e mais quantitativa as interpretações sobre a vida de Cristo? Não sabemos. Quem sabe o João tenha algo a dizer sobre este mistério que para ele não é mistério, mas sim mais uma heresia.

    Evidencia-se com isso que estamos diante duma realidade onde a gnose é condenada e que por se tratar de conhecimento oculto ou esotérico poderia perfeitamente ter ao longo dos séculos sido transmitida de forma secreta através de instituições secretas perseguidas pela ICAR e mesmo assim sobrevivido a isso com a intenção de resguardar e ensinar aquilo que a ICAR não tem interesse ou conveniência em ensinar aos seus seguidores.

    III - Ao contrário do que o oponente garante Dom Marcel Lefebvre foi realmente excomungado, pois ordenou bispos depois de ser suspenso de suas atividades pastorais, e isso segundo o Código de Direito Canônico é causa para excomunhão, por ser por assim dizer “exercício ilegal da profissão” segundo o entendimento católico, embora Lefebvre tenha se mantido fiel a doutrinação anterior ele foi apenado por não seguir as inovações da Igreja e continuar a fazer seu trabalho pastoral conforme sua consciência e fé em Jesus mandavam. Ao ponto que Leonardo Boff não foi suspenso de suas atividades pastorais, mais sim recebeu ordem de ficar calado sobre suas teses nada convencionais sobre a Igreja e interpretação da Bíblia. Assim, ele continua a celebrar missas em desacordo com as normas litúrgicas vigentes e a pregar em desacordo com doutrina oficial e até hoje não foi excomungado, mesmo seguindo uma vertente dada como herética pela maioria dos fiéis.

    Diante disso encerro a minha participação nesse debate agradecendo ao cordial apologeta João Cirilo e aos estimados leitores que apreciaram a argumentação de ambos os duelistas retóricos. 
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  23. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

    Meu oponente insiste em dizer que há uma dicotomia entre o que Jesus pregou e o que a ICAR fez ao longo dos tempos, com a “perseguição de fiéis que pensavam de forma diversa da doutrina imposta pela ICAR. Jesus jamais perseguiu ninguém, muito pelo contrário, ele acolhia as pessoas ao seu redor e incentivava de forma amigável sua conversão aos seus propósitos e pregação”.

    Mas, precisamos ser coerentes conosco mesmo e com a História. Primeiramente, do mesmo jeito que Jesus não obrigou ninguém segui-Lo, também a Igreja não obriga que ninguém seja católico, não persegue ninguém.

    Cada um que siga a sua fé da maneira que ache necessário, recomendável e saudável à luz de sua crença e de sua consciência. Clemente VII expediu uma bula em 17 de outubro de 1532 onde traçou princípios humanitários para tratar os judeus convertidos e os que não se converteram. Note, meu caro oponente, se é possível notar aí algum laivo de perseguição, de maldade ou de intolerância:

    “Como eles foram arrastados à força ao batismo, não podem ser considerados membros da Igreja; puni-los por heresia e reincidência seria violar os princípios da justiça e da equidade. Já com os filhos e as filhas dos primeiros marranos o caso é diferente: pertencem à Igreja como membros voluntários. Mas como foram criados por seus parentes no meio do judaísmo e tiveram esse exemplo constantemente diante dos olhos, seria cruel, segundo as leis canônicas, puni-los por se entregarem às crenças e hábitos judaicos. Eles deem ser conservados no seio da Igreja através de benévolo tratamento” (H. Graetz, “História dos Judeus, IV, pág 515, “apud” Will Durant, “História da Civilização”, VI, pág. 620).

    Está aí, caro apologista, uma explicação simples e contrária àquilo que você prega acerca de perseguições. Onde a perseguição aí? Pode notar alguma letra, algum matiz, alguma inferência? E, para realçar ainda mais meu ponto de vista, releva notar que a citação foi feita por H. Graetz, que é um historiador judeu.

    Portanto, que cada um siga o que entender correto. Mas, se abraça a fé cristã, se é católico, tem que seguir os dogmas, do contrário não teremos uma religião una, mas um verdadeiro balaio de gatos, onde cada um faz o que quer, diz o que quer e prega o que quer (talvez a prova maior disso sejam as seitas evangélicas, que num cálculo diminuto se especula na casa das 60.000 pelo mundo afora!)

    Os adeptos da crença Testemunhas de Jeová, por exemplo, não acreditam na Santíssima Trindade, para esta crença Jesus é um enviado de Deus, mas não é Deus, é no máximo um semideus. A Santíssima Trindade é assunto de loucos, é assunto antibíblico, é invenção. Neste passo seguem a traça de Ario, que pensava a mesma coisa.

    Ao contrário, para os espíritas seguidores de cardeque, Cristo é um espírito iluminado que já atingiu tal plenitude que supera qualquer um de nós: notem que há um giro de 180º aqui entre a doutrina de cardeque e a doutrina de Jeová, onde cada uma delas empresta a Jesus um valor totalmente diferente.

    Os jeovas acreditam no céu para 144.000 pessoas exclusivamente, tal como consta em números redondos no Livro do Apocalipse. A Terra será possuída pelos jeovas no final dos tempos, então para eles não existe o chamado “juízo particular”, que o cristão acredita.

    Se os jeovas não acreditam no juízo particular, isto é, a alma prestar contas a Deus logo após exalar o último suspiro (parábola do Rico e do Lázaro), como explicar a promessa de Jesus ao bom ladrão sobre o Paraíso?

    Em qualquer Bíblia cristã esta passagem vem assim descrita: “Eu te asseguro: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc, 23, 43).

    Como contornar a dificuldade? Dando inveja a muito sofista: “Eu te asseguro hoje mesmo: estarás comigo no Paraíso”.

    Notem como a transposição da vírgula de lugar resolveu toda uma questão metafísica, de altíssima indagação. Que ao contrário da tragédia Shakespeariana onde o Reino se perdeu por conta de um prego, que não percamos nós o Vida eterna por conta de pontuação mal feita...
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  24. Os espíritas vão pela mesma senda. Quando Jesus diz que “na casa do meu pai há muitas moradas” (Jo, 14, 1) obviamente querendo dizer que há espaço e lugar para uma infinidade de pessoas que acreditarem na Palavra, os cardeques deturpam o termo para dizer que a casa do Pai é o universo, e as muitas moradas são os mundos que circulam no espaço infinito, mundo este que oferece aos espíritos encarnados as respectivas moradias em consequência das evoluções.

    E o que a Igreja pode fazer em relação a isto? Esperar que estes ensinamentos errados se alastrem feito praga, feito doença?

    É dever dela, dado pela autoridade conferida por Cristo de “ligar e desligar” as coisas do Céu e da Terra. É a Igreja a “coluna e sustentáculo da verdade”, e que deve dizer o que é errado e o que é certo, o que é são e o que é doente em matéria de doutrina da fé.

    Só em dois exemplos atuais, que como vemos remontam heresias antigas como a gnose e os arianos, dois problemas dificílimos: e pode a ICAR permitir que quem se diz católico acredite em reencarnação ou despreza a Santíssima Trindade como coisa de “débeis mentais?” (boto a expressão entre aspas porque foi exatamente o que me usou uma dessas “catequistas de portão” quando veio ter ao meu, num destes domingos da vida...)

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    Meu oponente erra também quando diz que Jesus foi perseguido porque combateu “doutrina anterior do judaísmo dogmático e legalista fundado na chamada lei mosaica”, a qual era aplicada de “forma rígida e imposta de forma opressora muitas vezes pelos detentores da autoridade religiosa de seu tempo”. Erra também quando mistura a história rica da ICAR, seu poderio econômico em contraste com a figura de Jesus, que era um humilde carpinteiro.

    Primeiramente, o que Jesus e São Paulo (máxime na Carta aos Romanos) combateram à exaustão foram os meros ritos externos da lei mosaica, sem sentimento,sem amor, sem nada. Para os judeus bastava a aparência externa do rito e mais nada: isso não é religião, isso é protocolo, isso é formalismo inútil.

    Em nota de rodapé ao Capítulo 20 de Êxodo, a Bíblia Loyola informa que “os judeus contam 613 mandamentos (365 negativos e 248 positivos) na Lei, porque o Decálogo é muito mais do que os dez mandamentos”. Segundo Will Durant na obra citda (pág. 612) Immanuel bem Solomon Haromi,judeu nascido em 1265 era dotado de um espírito humorístico e vivaz, e acrescenta:

    “Lamentava ter nascido homem; tivesse nascido mulher, dizia, não teria que escarafunchar a Bíblia e o Talmude ou ter de aprender os 613 preceitos da Lei. Seu ‘Tratado do Purim’ zombava do Talmude”

    Isso não é religião, isso é protocolo isso é formalismo inútil, reitero. E foi com isso que Jesus acabou; mas não com a Lei, e muito menos com os preceitos dela, mas sim levá-la e seus preceitos, à perfeição, como deixou absolutamente claro no Sermão da Montanha (Mt 5,17).

    Em várias passagens Jesus se preocupa com o que vai dentro do homem e não em atos externos como lavar-se às refeições, por exemplo (Mc, 7, 1-8).

    Foi com formalismos, atos externos e inúteis que Jesus se propôs a exterminar; não com os preceitos da Lei, missão que o apóstolo Paulo leva à perfeição na Carta aos Romanos.

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    Depois, é bom notar que Jesus era realmente simples, sempre foi simples e aconselhou que se pusessem as coisas de Deus em primeiro lugar “e tudo o mais será dado em acréscimo” (Mt, 6, 33).

    Nunca disse para desprezar o dinheiro, mas sim para pô-lo em segundo plano: o dinheiro nada mais é do que um recurso e não um fim em si mesmo. É uma consequência, não o primeiro ato, o primeiro móvel.
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  25. A riqueza da Igreja solapada a partir do “Cativeiro de Avinhão” (1309-1377) não é difícil de explicar e entender. Enquanto ela empregava seus haveres com o bem da vida, cultivando e melhorando a agricultura por meio de vários engenhos, inclusive a tração animal para tal fim, enquanto ia construindo mosteiros, enriquecendo a cultura, fundando e mantendo universidades, formando monges matemáticos, cientistas, agrônomos, economistas, enfim, fazendo a vida melhor, o Estado tal só dilapidava seu patrimônio em guerras, em genocídios e em prazeres mundanos, gastando o que tinha e o que não tinha.

    O progresso de uma se deu na aplicação de seus haveres em coisas úteis, sem esquecer as de Deus, que postas em primeiro plano, o mais veio em acréscimo. Já o poder secular fez o contrário e só conseguiu se reerguer a partir do Século XIV quando meteu a mão nas burras eclesiais usando o movimento reformista como pivô e pião do jogo.

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    No que a Igreja alienaria as pessoas? Talvez, Alonso, você pense que só porque sou católico, eu seja alienado. Porque eu não sou relativista, onde tudo está certo, onde tudo pode, onde sempre há lugar para “mais um”, eu seja uma pessoa alienada.

    Não o critico: é assunto corrente hoje em dia. Nos tempos do “politicamente correto”, qualquer pessoa que acredite firmemente em algo diferente do que a massa acredita seja em que segmento for, não é bem visto. Não digo que você, Alonso, seja mais um dentro da gaiola, foi apenas à guisa de exemplo e provavelmente até concorde com a imagem.

    Mas, muito importante é sabermos que a Igreja tem seus dogmas, seus ritos e seu código de conduta: filia-se a ela quem quer e como quer; mas uma vez filiado, não pode comungar e sair para uma sessão espírita; não pode rezar um terço e sair para um terreiro de candomblé.
    Não pode haver sincretismo. Não pode haver nem mesmo ecumenismo.

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    Ecumenismo é palavra que soa com tristeza aos ouvidos de um católico ortodoxo pelas razões que já expus adrede. E feriram também os ouvidos e os sentimentos do Bispo Lefebvre, que morreu lutando contra este triste mal que permitiu a “entrada de Satanás pela fumaça do concílio”, nas palavras do papa Paulo VI, e a cada dia que passa mais eu acredito nisso.

    Não sei exatamente se o bispo francês acabou ou não sendo excomungado, meu caro Alonso; mas para mim, para este debate e para o ponto que desenvolvo aqui, é de somenos importância o efeito, mas de importantíssima relevância a causa.

    Quero dizer que excomungado ou não, foi uma voz dentro da Igreja que se levantou contra o desatino da própria Igreja ao permitir este mal falado e nocivo ecumenismo, que a grosso modo tudo permite e tudo tolera, porque se Jesus subsiste na Igreja Católica, vale dizer que também “subsiste” nas demais crenças, fazendo a própria Igreja tabula rasa do dogma tão caro a Jesus e aos apóstolos, segundo o qual “extra ecclesia nulla salus”, porque se ela mesma permitiu tais invasões desabridas contra seus dogmas, fica difícil expurgá-los todos, salvo se por uma revisão completa, “ex radice” do malfadado CVII.

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    Encerro minha participação aqui para dizer que herege é todo cristão que não comunga da fé católica desviando-se dos dogmas da Igreja, por sua vez oriundos da Bíblia, especialmente do Novo Testamento.

    Encerro dizendo que a Igreja tem o dever institucional de perseguir as heresias com o fogo do espírito, a centelha da palavra, o calor da boa doutrina, incandescendo e levando aos crentes o verdadeiro fogo, a verdadeira luz da Graça.

    Encerro dizendo aqui que todo este trabalho fica em certo ponto atrapalhado pela Igreja militante, na medida em que ela mesma, ao introduzir o nefasto ecumenismo para seus portais, trouxe também a semente da cizânia, a tal ponto que hoje em dia todo mundo é cristão, mas cristão “racional”. Sem razão alguma, mas acreditando tê-la profundamente, e, no mais das vezes nem errando tanto, mas sim errando pelo erro da Igreja.

    Foi um prazer terçar lanças consigo novamente, Alonso, um debatedor contundente, mas fiel.